Bestificados
Apesar dos ventos frios do último dia de agosto
de 2016, era uma tarde de quarta-feira como qualquer outra: dona Ritinha, com suas
varizes nas pernas, levou e trouxe sofridamente os netos da escola. Gerson e
seus primos jogavam barrinha na rua, dez minutos ou dois gols. Seu Valdomiro
foi comprar alpiste. Dona Noca dormia defronte à tevê após o almoço, enquanto
uma baba fria e elástica escorria de sua boca, indiferente ao Vale a pena ver de novo. Janaína
preparava um currículo vitae no word para
enviá-lo, no dia seguinte, a uma das sucursais do Walmart. Elaine, curtindo seu último dia de férias, assistia mais
um episódio de Girls no Netflix.
Maurício acordou às 16h e vendo que encontrava-se só em casa, a mulher tinha
ido à manicure e levou o filho, aproveitou para se masturbar assistindo o RedTube. Seu Bosco foi fazer sua fezinha
no jogo do bicho, jogou R$ 2 em sua milhar: 5641. Dona Jaidete pôs a massa do
cuscuz para descansar, gosta dele bem fofinho, por isso deixa a massa
descansando um par de horas. Dinho foi ver a movimentação da turma do dominó lá
no terminal de ônibus enquanto dava tragadas profundas em seu Derby Vermelho. Dico
contava as moedas amealhadas, junto com seus parceiros do “sindicato”, para
comprar mais um super-latão de Pitú, era o segundo do dia. Gleisson abriu o salão
após sua indefectível sesta, não havia ninguém esperando para cortar o cabelo,
automaticamente, sintonizou uma FM qualquer e a voz de Wesley Safadão tomou
conta do recinto. Pascoal, o vira-latas de Seu Tenório, lambia o rosto do dono
que encontrava-se morto, ataque cardíaco, há aproximadamente três horas, enquanto
dormia. Pascoal foi a única criatura naquela tarde que sentiu que alguma coisa
mudou, a partir daquele momento, em sua vida. Pascoal grunhiu de tristeza e
seu lamento ecoou no vácuo de uma nação totalmente bestificada.
por Renato Ribalta
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