Recife: capital da “egípcia”

31.8.16 Mademoiselle Fifi 0 Comentarios


“Essa é a mistura do Brasil com o Egito /Tem que ter charme pra dançar bonito”

Antes de mais nada “egípcia” é o nome daquele movimento de virar a cara, para não cumprimentar uma pessoa, que alguém dá, para não falar ou acenar para outrem.

Eu sei que é chato levar uma “egípcia”, você fica com aquela cara de humilhada e ofendida, seu assentimento com a cabeça balançando sozinha, no vácuo, sem a esperada retribuição. 

A “egípcia” dói na alma da cordialidade, aquilo que tanto investimos, o preço da urbanidade ensinada a duras penas na escola, na igreja, na família, os carões de mamãe e de papai para que não fôssemos bichos do mato... E tudo isso pra quê, meu Deus? Nos perguntamos enquanto a “egípcia” nos deixa saboreando a pipoca murcha da morgação.

Mas antes de você começar a esculhambar o autor da “egípcia”, chamando-o de fdp, alma sebosa, dando uma de doido... Cabe aqui uma pergunta: você nunca deu uma “egípcia”? Quem nunca deu uma “egípcia”, em Recife, atire a primeira pedra no Nilo ou no Capibaribe.




A “egípcia” faz parte da ânima do recifense. Quantas vezes você não atravessou a rua para não falar com alguém, evitou aquele caminho porque sabia ou intuía que aquele cara chato que você não está afim de falar estará por lá? Porque a pessoa em questão é um escroto, ou porque seu time perdeu e a pessoa irá arriar com sua cara, ou por pura preguiça mesmo por que no tal dia você não está sociável. 

Relativizem comigo: o cara tá entalado até a medula com compromissos, contas, aporrinhações em casa, o time no Z4, mil contingências que fariam um Kafka ser tabacudo na frente dele, daí ele lhe dá uma “egípcia”. Pronto! É o suficiente para você lançá-lo no quinto inferno do coração das trevas do seu ressentimento.

Mas vamos lá, e se fosse você na situação do cara? Às vezes uma “egípcia” pode evitar uma conversa meia-boca, repleta de nonsenses ou o pior: uma conversa tipicamente “Muro de Lamentações”, onde cada um vai debulhar seu rosário de mágoas – tá foda esse país, tá foda essa cidade, tá foda meu time, tá foda meu relacionamento, tá foda!

E por que Recife é a capital da “egípcia”? Respondo, talvez em nenhum outro lugar da federação, conheci alguns deles, o excesso de estímulos sensoriais crivados no corpo/consciência dos sujeitos sejam tão arraigados quanto na capital pernambucana. 

Pudera, a relação: muita gente produzindo bens materiais e simbólicos versus pouco espaço geográfico, como é sobretudo o centro do Recife, gera densidade dinâmica e moral[1]. Exemplos disso: Galo da Madrugada, megalomania, bairrismo etc., 

Isso tudo gera na cabeça e no corpo do pobre recifense imerso nessa Babel fedorenta um sentimento de reserva, que os eruditos chamam de postura blasé. Bom, isso ajuda a explicar um pouco a natureza da “egípcia” aqui na “Nova Roma talvez no porvir”.

Por fim, têm aquelas “egípcias” que é puro charme! Uma cena! A pessoa dá uma “egípcia” qual uma Cleópatra de filme hollywoodiano. Ah! A vontade é de jogar um coco na cabeça do desgraçado pra ele botar fé com a cara da gente, só assim, cairá por terra todo seu charme de Faraó do Alto e do Baixo Nilo do Pátio de Santa Cruz.




[1] Essa é uma das teses centrais da sociologia de Émile Durkheim.

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