Chuva de containers de Coca-Colas I
Geração Coca-Cola é a
sexta faixa do primeiro disco da Legião Urbana (Legião Urbana, 1985). A música é uma das canções oriundas do
espólio da lendária banda de punk-rock brasiliense, Aborto Elétrico. E a música carrega a pegada e a estética do punk:
simplicidade [três acordes], versos claros e direitos, linguagem chula [cuspir], referências ao cotidiano [tevê,
escola, Coca-Cola], ausência de metáforas ou metonímias etc.
“Quando nascemos fomos
programados /A receber o que vocês /Nos empurraram com os enlatados dos USA, de
9 às 6 /Desde pequenos nós comemos lixo/ Comercial e industrial”
De
início, Geração Coca-Cola traz em seu
seio uma ambivalência típica da produção simbólica de países da periferia do
capitalismo, como o Brasil: critica-se o imperialismo cultural dos EUA, no conteúdo da letra; ao passo que o vetor formal da crítica é uma linguagem sonora
símbolo do colonialismo norte-americano: rock.
“Mas agora chegou nossa vez/
Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês”
Talvez
o dado distintivo do rock produzido no Brasil durante a década de 1980 e meados
de 1990 seja: pela primeira vez ele assume que é nacional e que faz um arremedo,
abrasileirado, do que é produzido nos EUA e Reino Unido. O rock torna-se Made in Brazil. Não obstante, os
letristas de destaque desta época conseguiram formatar uma forma de compor rock
em português. Nomes como: Antônio Cícero, Humberto Gessinger, Marina, Cazuza
firmaram suas carreiras compondo e cantando rock na língua de Fernando Pessoa.
Capa do 1º disco da Legião. Na imagem, podemos detectar a ambivalência do modernismo brasileiro. Acima, imagem do Congresso Nacional. Abaixo, imagem de um índio. |
Geração Coca-Cola talvez
seja o estertor de uma das facetas do projeto iniciado com a Tropicália: o lixo da indústria cultural dos países
centrais sendo ressignificado na periferia do capitalismo.
Isto é,
na música em destaque, a modernidade periférica vem à tona através de imagens
publicitariamente violentas, que são plasmadas na canção e cuspidas diretamente para o ouvinte. Geração Coca-Cola não traz as imagens cinematográficas de um certo encantamento
cotidiano com os símbolos da modernidade capitalista, como, por exemplo: na
balada tropicalista Alegria, Alegria:
“Eu tomo uma Coca-Cola/ Ela
pensa em casamento/ E uma canção me consola/ Eu vou”
Ao que
parece, a aliança tríplice entre a Tropicália, o Cinema Novo e o Marginal sai
de cena, durante a década de 1980, e em seu lugar surge o Rock Nacional
recalcado no decalque
norte-americano, e sem antropofagia,
somado a uma linguagem publicitária eminentemente direta. Em uma palavra: a tevê
suplanta o cinema e dá régua e compasso ao rock realizado durante a [mal]dita década perdida. A década dos filhos da
“Revolução 1964” que estava pedindo passagem:
“Somos os filhos da revolução/ Somos
burgueses sem religião/ Somos o futuro da nação”
Neste
sentido, podemos afirmar que a geração musical do decênio de 1980-90 carrega
consigo um paradoxo: erigiram-se sobre uma negatividade
afirmativa. Isto é, nega-se os
influxos da cultura americana despejados na economia brasileira no período da
reabertura democrática, na fatura das letras; ao passo que afirma-se musicalmente nas influências anglo-saxãs – até pouco
tempo símbolo do imperialismo cultural[1]
– através da sonoridade rock.
Este
paradoxo pode ser resumido também no descompasso de uma economia cambiante
entre o arcaico e o moderno, o Brasil, em sintonia com a modernidade dos países
centrais, representada no rock. É um dado típico da modernidade periférica: ser
contemporâneo do não-contemporâneo.
Assim,
neste diapasão, as vanguardas artísticas nacionais durante o século XX, da
Semana de 1922 à Tropicália, viveram da dialética entre o local e o universal,
ora alimentando-se dos elementos nacionais – desde 1922 desrecalcados – em
forte diálogo-influência-reinvenção com as produções simbólicas sobretudo da
Europa e EUA. E no centro desta lógica, sobreveio a estética antropofágica, especialmente nas duas
vanguardas supracitadas.
Da esquerda pra direita: Renato Russo, Dado Villa-Lobos [segundo plano], Marcelo Bonfá e Renato Rocha. |
Portanto,
seja na Semana de 1922 quanto na Tropicália, as bases simbólicas foram fincadas
no conflito e convivência entre um Brasil arcaico – patriarcal, rural, não
capitalista, pré-replicano – com os elementos modernizantes – urbano,
industrial, capitalista, burguês.
Porém,
a partir da década de 1980, com a geração do Rock Nacional, um dado novo se
instala nesta relação entre os brasis arcaico e moderno: não há mais espaço
para o Brasil profundo, ou arcaico. O
urbano suplanta o rural e transforma-o em epifenômeno.
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