O relato II

15.7.13 Cabotino 0 Comentarios


Continuação...

Refleti: Tá bom, Senhor, sei que é arrogância minha querer ser um novo Cristo, mas interceda por mim, faça ao menos ser um Moisés que se tornou príncipe do Egito depois de navegar à deriva por um dos filhos do Nilo ainda criança e depois libertou o seu povo através das maldições ao Faraó, abra pra mim um pouco destas águas, sei que elas não são vermelhas, mas abra-a um pouco, deixe eu ver ao menos um instante de luz mesmo que depois siga errante pelo mundo como aquele povo de nariz adunco amaldiçoado pelos tempos por ter ganho à liberdade rápido demais após o Êxodos e por ter libertado Barrabás – a história da tua religião é um documento de barbárie –, mas não, deixa-me aqui como se fosse Édipo, o de pés furados, cego e parricida que foi embalado assim como o Príncipe do Egito em uma cesta à deriva pelas águas e com o mesmo Sinal de Caim em sua fronte inscrita pelo Oráculo da Fortuna. Não vejo nada, só vejo o Nada e nada disso tudo me agrada e, a partir de agora te assassinei, matei meu pai assim como o incestuoso Édipo só que com plena consciência do meu ato, se não intercedes por mim a partir de agora tu não mais existe em meu coração nem tampouco em meu corpo com os seus 70% de água e com os seus 30% de desespero neste planeta paradoxalmente chamado: Terra – “por mais distante do errante navegante/ quem jamais te esqueceria?” – Eu!. Pensei: cego e errante pelo mundo eis aí o meu canto do cisne, a sina de Édipo é o meu Sinal de Caim, eu matei o meu pai e minha mãe foi violentada por mim, Jocasta é estas águas que massageia meu corpo nesta noite que não tem fim, o mar quando cruza com o céu gera monstros terríveis e o único cabelo que há para segurar são os da Medusa com suas serpentes fatais, porém os 30% de desespero rivaliza com alguns lampejos de esperança e a minha é matar esta Medusa e extrair de dentro dela o Pégaso, mesmo sendo este um cargueiro da Lloyd que por ventura passe por estas águas sem redenção e ilumine estas águas de trevas e abra o meu caminho, sim o cajado que abrirá estas águas pode ser um refletor de 1000 megawatts, não importa, quero sair daqui! Temo mais estas águas do que qualquer criatura aquática que porventura venha até mim, se for os tubarões eu nado com eles, se for uma baleia vou para dentro dela sem titubear como o Mestre Jonas, que talvez, assim como eu, recebeu o castigo divino, ele pela desobediência e eu por ter comido do fruto da Árvore da Dúvida. Pensei: estas águas são irredutíveis, tem a capacidade ímpar de transformar meu humor melancólico em pura fleuma lançando seus líquidos invernas em minhas terras outonais, minha bile negra agora é azul, opaca e assim como estas ondas agora estou prostrado; não sei onde é a direção da praia; as vagas não dão a direção e estão todas paradas como se esperassem alguma ordem ou algum sinal. Mas nada! Estas águas não servem para nada – não refletem o céu, não dão sinal de nada, não aquecem nem aliviam a dor do meu corpo – não é doce, é salgada e amarga, amarga... Pensei: se ao menos o Barqueiro viesse em minha direção eu lhe daria todas as minhas moedas, mesmo sabendo que ele só aceitaria uma justamente pelo seu caráter sóbrio e comedido. Pediria para que ele levasse-me daqui para qualquer lugar, até para o Inferno! Pois lá é mais quente que aqui e lá também tem gente como eu que sangra pela mesma ferida – querem vida! – estas águas são silenciosas, fleumáticas, tediosas, inorgânicas, mortas... Ponderei. Esperem aí! Descortina-se algo no horizonte, uma luz vem em minha direção, não sei o que é, mas algo de estranho está acontecendo com o céu, ele está se auto referindo, gerando um espelho próprio através dos ventos e de alguma poeira cósmica, ele está desenhando algumas imagens para mim, para mim e para este monturo morto que me cerca, mas felizmente só eu posso ver e ter consciência do que está se formando.

Continua...

0 comentários: