O relato III

26.7.13 Cabotino 0 Comentarios


Continuação...

Tento apoiar-me pondo a garrafa de Coca Cola em minha nuca para ver melhor as formas que estão delineando-se no céu, ou melhor, neste arremedo de céu antes fechado e que agora dança. Sim é uma dança, é uma valsa de águas vivas sobre mim, elas bailam tais quais cabos à procura de portas USBs, conectam e desconectam-se freneticamente, depois param, intumescem-se com a suas próprias substâncias depois disparam umas contra as outras fluorescentes, translúcidas, diáfanas uma contra as outras assim como nós que nos perfumamos de neon e saímos a captura e repulsa do Outro. De repente, as águas vivas são escorraçadas pelas labaredas expelidas por um longo Dragão Vermelho serpenteando seu corpo pela abóboda celeste, de seu dorso abriu-se uma imensa cornucópia a lançar pelo firmamento perfumes de toda a sorte, flores, joias, depois lançou um cisne a rasgar os céus com seu corpo e sua plumagem eriçada a cantar altissonante seu derradeiro canto – por ele, por mim e por nós –, depois que esta ave rasgou o céu carregando em suas asas Eros e Thanatos, a cornucópia do Dragão abriu-se novamente e dela saiu um enorme Pavão a deslizar pelas bordas do céu seu garbo e sua elegância, ali está à metonímia de toda a natureza, ele é a ilha de meu continente perdido “Nessa cauda / Aberta em leque / Me guarda moleque / De eterno brincar / Me poupa do vexame / De morrer tão moço / Muita coisa ainda / Quero olhar...”. E, de repente, a garrafa de Coca-Cola deslizou de minha nuca e eu afundei superficialmente com a cara n´agua fazendo com que aquele líquido inominável entrasse por entre minhas entranhas e pelos meus alvéolos nicotizados fazendo com que eu engasgasse e tossisse, mas não consegui expelir aquela matéria viscosa, poluída e, agora, estava em meu ser aquele líquido sem forma e sem conteúdo. Levo comigo agora um pouco desta matéria sem anima. Quando voltei a emergir o céu já estava novamente encerrado sobre mim, perdi o céu, mas ganhei as estrelas da vida, desgarrei-me dos objetos que me tinham salvo até agora e percebi que sem eles eu continuava boiando, a água não conseguia me engolir, talvez seja devido ao alto teor salino da água, mas não, acredito que eu seja uma pessoa intragável mesmo e que nem morrer pelas minhas próprias mãos ou pelo meu próprio peso eu consiga, terei que sobreviver sobre estas águas fria, incolor, inodora e que diante dela não adianta o recurso do nado, é inútil, pois não há direção, o jeito é ficar parado e esperar, esperar... Indaguei: que horas são? Já não é hora da Aurora surgir com seus dedos róseos apontando no horizonte? Porém nem sei onde fica o horizonte, não sei onde fica o norte, o sul... O Cruzeiro do Sul da minha rua e de minha infância distante já não me guia mais por estas águas turvas, não me orienta mais em nada... A astrologia agora é astronomia, o logos hoje é nomos e há lei para tudo, todos explicam tudo e o mundo está cada mais desencantado. O mundo hoje é um grande manual envolta destas águas – “a Terra é azul!” – o homem foi à órbita da Terra e nos disse o óbvio, nós aqui embaixo em meio ao nosso sofrimento telúrico já tínhamos esta certeza – já sabíamos que ela é azul (Blue) e embotada de tristeza, com aquelas nuvens envolta como véus do desespero: “Blue, músicas são como tatuagens / E você sabe, eu já estive no mar. / Ponha âncoras e coroas em mim / Ou me deixe navegar pra longe [...] Muitos estão afundando agora, / Mas nunca deixe de pensar / Que você pode quebrar essas ondas. / Ácido, bebidas e bundas / Agulhas, armas e a grama / Milhares de risadas, milhares de risadas / Todo mundo está dizendo: ‘Ir pro inferno é o que há.’ / Mas eu acho que não. / Ainda que eu vá até lá, só pra olhar [...] Blue, tome esta concha / Dentro dela há um sopro / Uma frágil canção de ninar / E essa é minha música pra você [...] / Blue, te amo”.

Continua.

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