O Inconsciente do Olhar II
És um senhor tão
moderno
Quanto à cara do
meu neto
Tempo, tempo,
tempo, tempo
Sim, era um aniversário com certeza,
amigos, familiares, churrasco, galinha assada, cerveja gelada e a tríade do
canto do cisne do império britânico – baixo, bateria e guitarra – valvulados na
garagem. Dos cinco filhos, duas mulheres e três homens, estes inclinados ao rock n roll desde a terna idade e
estavam ali com seus amigos, inclusive este que vos escreve, tirando um som no
descanso de Deus, o domingo.
Dos cinco netos, duas mulheres e
três homens, o mais velho já era motivo de orgulho da família, desde cedo
campeão de karaté, exímio nos estudos e imbatível no Wing Eleven, o que deixa os tios invocados, mas complacentes com a
derrota, pois é a geração do joystick com o seu ímpeto catódico. Enfim, um bom
menino, destes que outrora estampavam as capas da revista Pais e Filhos.
De repete a música para, e os chamados
vem do microfone: Cauã! Cauã! Ele chega meio desconfiado e o tio do meio diz:
vamos tocar tempo perdido e tu vai
cantar, seu rubor foi do tamanho dos seus 16 anos, mas se refez e começou a
cantar: [...] não temos mais o tempo que
passou/ mas tenho muito tempo. E o avô ouvindo a voz do neto se aproximou
da garagem e com as mãos no portão ficou olhando o neto com os seus olhos
marejados, não era um olhar de hereditariedade dos 7,666 cromossomos seus presentes
naquele corpo em formação; não era ternura; nem tampouco carinho; era o amor
casado com o tempo e quando este enlace se realiza tudo é pleno, inclusive em
um domingo.
* Dedico esta crônica ao filme do
M. Haneke: Amour.
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