Pai policial contra Mãe da periferia
Em Pai
contra Mãe, cose-se uma crônica que infelizmente insiste em prevalecer
entre nós. Penso aqui na semelhança entre a história de Cândido e as de alguns
policiais nas periferias de nossas cidades. Lembro, contudo, que o contexto
histórico que promoveu o encontro entre Cândido e Arminda na descida da S. José, na crônica de Machado e os encontros contemporâneos entre os policias e as mães
das periferias não é o mesmo, leia crônica se ainda não a leu. Entretanto, o
que me autoriza essa leitura interessada de Pai
contra Mãe, hoje, prestes a findar-se o ano de 2015, é o esforço de
problematizar a contínua saga dos pobres que matam outros pobres; só que agora,
no lugar da corda, o fuzil; no lugar dos “caçadores de escravo”, homens fardados; no lugar da recompensa do Senhor; bônus
por desempenho e as bênçãos dos moradores dos condomínios fechados e do Estado
democrático de direito na figura do Secretário de Segurança Pública. Quem me
autoriza a isso é o próprio Bruxo do Cosme Velho, quando, no início de Pai
contra Mãe, adverte: “A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá
sucedido a outras instituições sociais”. Assim, interesso-me aqui pela economia
dos sentimentos despertados na crônica, para pensar o que ocorre hoje com alguns
policias em suas abordagens nas favelas do país. Não é caso de dizer que moram
de favor ou que sejam "Cândidos", a falta de estabilidade que os
acomete não é em relação ao ofício, mas em relação às suas vidas e aos seus
dedos nervosos. Em tempo, como bem nos ensina Machado, tomo de empréstimo a
figura dos policiais contra as mães das periferias, para pensar a Polícia
enquanto instituição, recusando o desejo hipócrita de apedrejamento dos “Canoas”
em particular, recusando-me nessa toada a vê-los como inimigos em si, mesmo
reconhecendo que devam ser responsabilizados. O que quero ressaltar é que há um
gerenciamento sobre as nossas formas de sentir e agir, que exige de nós
vigilância, para que, querendo aprender depressa, não aprendamos mal, do
contrário, seremos sempre parecidos com Tia Mônica, juízes que advertem no
outro o que em nós mesmos é latente, por insistirmos, cinicamente, em
desconhecer a complexidade que constitui nossos ofícios e aparelhos diários de
tortura e barbárie. Tudo isso, para que a máxima “nem todas as crianças
vingam”, não vingue; para que os oprimidos se reconheçam e (re) costurem juntos
os retalhos do nosso trágico tecido social.
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