O ornamento das massas
Poço
da Panela, Recife, 8 de dez. 2015
Ao Exmo. Sr. Vice-presidente da República
Federativa do Brasil, Dr. Michel Temer.
Memento
morri introito cogito, ergo sum
Venho
por meio desta missiva recorda-lhe e reivindicar, peremptoriamente, o lugar
oficial na história do Brasil, de Vice-presidente ornamental ou decorativo,
segundo seu léxico de influência jurídica.
Reivindico
porque nunca houve nenhum Vice-presidente que exerceu seu cargo de maneira mais
pungente quanto eu. Nos oito anos que permaneci no cargo (1995-2002), eu fui
atilado, impoluto e reto em minha função: entrei mudo e saí calado.
Vossa
Excelência não tem o direito de arvorar-se ao posto de decorativo/ornamental
sem antes fazer referência a mim. Sou oriundo de uma terra em que a prática do
ufanismo além de ser um ato político, faz parte do ethos do povo, seja ele da arraia miúda ou ocupante da cadeira no
Campo das Princesas. Isto é, exigimos sempre a vanguarda, a primazia e o local
de proa nos destinos da nação. O que não nos levou a lugar nenhuma até agora,
mas tudo bem...
Outrossim,
ninguém cumpriu os ritos para se tornar um Vice ornamental/decorativo quanto
eu. Irei agora enumerar – prática cara ao seu modus operandi de epistolar aprendiz – algumas partes de minha
trajetória política que me põe, irrefutavelmente, em posição central na
decoração política brasileira.
1º
Fui Governador biônico por Pernambuco, exercendo o executivo pela ARENA, de maneira implacável, sem legitimidade nenhuma diante do povo
brasileiro no geral; e do povo pernambucano em particular, deliberei algumas
verbas para obras que já não lembro mais.
2º
Exerci diversos cargos políticos desde meu mandato de biônico. Ninguém
descreveu um arco temporal político que foi da ARENA até o DEM, atravessando a
era do PFL, como eu! (desculpe-me a ênfase). De todos os cargos políticos que
exerci, eu nunca me expus publicamente para reivindicar os holofotes e o
protagonismo político, como Vossa Excelência está querendo agora. Sou tão
decorativo que o povo brasileiro não se lembra nem do timbre da minha voz.
Ademais, Vossa Excelência exige uma maior participação no governo – como ficou
claro na sua carta à presidente Dilma Rousseff – porém, deve se lembrar que não
tens legitimidade. Por isso, é necessário cautela, parcimônia e consciência de
irrelevância (desculpe-me o cacófano) do cargo. Ora, se gostarias da Presidência, porque não pusestes uma chapa junto com o seu partido (PMDB) nas últimas
eleições? Disso posso jactar-me (exceto o cargo de biônico): nunca ganhei cargo
político no tapetão. Palavras que Vossa Excelência e seus cupinchas chamam,
hipocritamente, de impeachment.
3º
Finalmente, para ser um Vice-presidente irremediavelmente
ornamental/decorativo, carece entrar na Academia Brasileira de Letras, algo que
vislumbro almejares devido à sua produção técnica no Direito Constitucional e
também na ficção, com seu livro de versos. Posso dizer como advogado e ficcionista, tal qual Vossa Excelência que, sua obra é tão decorativa quanto a sua função de
Vice-presidente e, neste quesito, em breve ficarás mais próximo da minha
histórica posição de vanguarda ornamental na política brasileira. Quando a
gráfica do Senado ou da Câmara começar a imprimir seus livros é que a glória do
espírito puramente decorativo da política estará cada vez mais próxima. Persevere
que num futuro não tão longe ninguém vai se lembrar de você, como também não se
lembrará de mim. Como diz o adágio popular: o vice é o primeiro dos últimos. Só
que no caso do Vice-presidente este aforismo vox popoli não se aplica devido à nossa falta de legitimidade:
ninguém neste país vota para vice. Estamos fadados ao ornamento.
Memento morri in gloria
excelsius
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