Não fossem os fogos de artíficio eu nem sabia que era noite de Ano-novo
Há
alguns anos, havia uma tradição, dentro do ciclo de vagabundos imberbes em que
transitava, que era uma espécie de rito de passagem da infância para a
adolescência – essa fase híbrida entre a puberdade e o desespero –, consistia
em: na noite de réveillon, aguentar acordado até o sol despontar no horizonte, com seus dedinhos encarnados, anunciando o Ano-novo.
Lembro-me
do primeiro ano em que consegui realizar tal façanha. Estava na casa de minha
avó materna e vi, entre os troncos de uma pitombeira e uma jaqueira, que havia no terreno, esfalfado em minha condição física e ludibriado em minha
expectativa, o sol nascer, indiferente a todos – a nós, às nossas roupas novas, impregnadas do calor de dezembro e de algumas gotinhas de Cidra Cereser, e também ao ano que iniciava-se.
Foi
o sol nascendo e eu indo dormir na cama de minha vó, logo em seguida. Tinha me tornado
adolescente sob um sol acachapante de janeiro. Num tempo em que não havia
tantas faturas para quitar, tampouco promessas que são perfiladas com a entrada
do novo ano: parar de fumar; sair do emprego; voltar a estudar; voltar a falar
com Henrique; beber menos; pedir Marina em casamento; um lar; um filho etc., etc.
De
lá pra cá, eu já cansei de ver o sol nascer após o réveillon. Houve anos em que nem
prestei atenção nele. Embriagado, tentei descontar à indiferença que ele havia
deitado sobre mim, naquela noite em que o aguardei com tanta ansiedade para
tornar-me qualquer coisa que ainda nem sei. Desnecessário dizer que a vingança
foi inútil. Não há fígado nem expectativa que aguentem tanta indiferença.
Hoje
acho que o rito de passagem que meus pariceiros
propagavam, algo que evidentemente eles tinham herdado dos mais velhos,
era algo em torno da crença mágica e estúpida que acredita em qualquer mudança
significativa, apenas pela simples alternância de uma conversão social: o
calendário.
Aquele
inútil amanhecer, que vislumbrei entre uma pitombeira e uma jaqueira, tinha me
ensinado algo que, infelizmente, demorei anos para aprender: não fazer
promessas, tampouco criar expectativas porque alguém disse que me tornaria, na
ocasião, adolescente, pelo simples fato de atravessar a chegada do Ano-bom
insone.
Há
alguns anos já não espero nada do ano que se inicia. Não faço promessas, tampouco prognostico cenários sombrios. Há anos caí do “cavalo” da expectativa
e fui parar direto no “chão de concreto” da vida sem mistificação. O
desencantamento do mundo tem suas vantagens, sobretudo quando o ano é bissexto,
como será 2016 – uma dia a mais, uma expectativa a menos.
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