Não fossem os fogos de artíficio eu nem sabia que era noite de Ano-novo

5.1.16 Cabotino 0 Comentarios


Há alguns anos, havia uma tradição, dentro do ciclo de vagabundos imberbes em que transitava, que era uma espécie de rito de passagem da infância para a adolescência – essa fase híbrida entre a puberdade e o desespero –, consistia em: na noite de réveillon, aguentar acordado até o sol despontar no horizonte, com seus dedinhos encarnados, anunciando o Ano-novo.

Lembro-me do primeiro ano em que consegui realizar tal façanha. Estava na casa de minha avó materna e vi, entre os troncos de uma pitombeira e uma jaqueira, que havia no terreno, esfalfado em minha condição física e ludibriado em minha expectativa, o sol nascer, indiferente a todos – a nós, às nossas roupas novas, impregnadas do calor de dezembro e de algumas gotinhas de Cidra Cereser, e também ao ano que iniciava-se. 

Foi o sol nascendo e eu indo dormir na cama de minha vó, logo em seguida. Tinha me tornado adolescente sob um sol acachapante de janeiro. Num tempo em que não havia tantas faturas para quitar, tampouco promessas que são perfiladas com a entrada do novo ano: parar de fumar; sair do emprego; voltar a estudar; voltar a falar com Henrique; beber menos; pedir Marina em casamento; um lar; um filho etc., etc

De lá pra cá, eu já cansei de ver o sol nascer após o réveillon. Houve anos em que nem prestei atenção nele. Embriagado, tentei descontar à indiferença que ele havia deitado sobre mim, naquela noite em que o aguardei com tanta ansiedade para tornar-me qualquer coisa que ainda nem sei. Desnecessário dizer que a vingança foi inútil. Não há fígado nem expectativa que aguentem tanta indiferença. 

Hoje acho que o rito de passagem que meus pariceiros propagavam, algo que evidentemente eles tinham herdado dos mais velhos, era algo em torno da crença mágica e estúpida que acredita em qualquer mudança significativa, apenas pela simples alternância de uma conversão social: o calendário. 

Aquele inútil amanhecer, que vislumbrei entre uma pitombeira e uma jaqueira, tinha me ensinado algo que, infelizmente, demorei anos para aprender: não fazer promessas, tampouco criar expectativas porque alguém disse que me tornaria, na ocasião, adolescente, pelo simples fato de atravessar a chegada do Ano-bom insone. 

Há alguns anos já não espero nada do ano que se inicia. Não faço promessas, tampouco prognostico cenários sombrios. Há anos caí do “cavalo” da expectativa e fui parar direto no “chão de concreto” da vida sem mistificação. O desencantamento do mundo tem suas vantagens, sobretudo quando o ano é bissexto, como será 2016 – uma dia a mais, uma expectativa a menos.

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