Claudios Carnavalis In Ânus Autrem Q'sucos Est
Sempre
nas semanas que antecedem o carnaval uma galera me pergunta: “Vai pra onde nesse carnaval?”. Respondo: “No sábado vou sempre ao Galo da Madrugada”.
Antes que continue a destrinchar minha programação momesca, surge a exclamação
indagativa do meu interlocutor: “pro Galo!?”. “Sim, pro Galo”, ratifico.
Geralmente
os interlocutores que se assustam com minha ida ao Galo são pessoas de minha
geração, têm por volta dos 30 anos, fazem ou fizeram algum tipo de graduação,
foram criadas na paranoia da violência do final da década de 1990 e viveram a
eclosão do acesso a certos bens e serviços – antes destinados apenas às classes
dirigentes – oriunda do Lulismo.
O
perfil social traçado no parágrafo anterior será fundamental para entendermos
um pouco da fauna humana que irei retratar.
O
papo que começou no primeiro parágrafo geralmente segue nesta toada: “Tu
vai pro Galo, mesmo? Tu fica em que camarote?” continuam a perguntar.
Daí
retruco: “Olha, não frequento camarotes, vou pra ficar na rua como um reles
folião qualquer. A acompanhar devagarinho os trios e tal. Geralmente fico pela
Praça Sérgio Loreto ou ali na ‘boca’ da Dantas”.
E
continua a chuva de perguntas no mínimo estranhas: “Nossa, tem muita gente, né?
Muito quente também, né? Muita confusão, né? Muito empurra-empurra, né?”.
Com
uma paciência bovina e uma educação digna de sacerdote budista, respondo: “Bem,
é o maior bloco de carnaval do mundo, portanto, pressupõe-se que tenha muita gente. O bloco
sai numa época do ano conhecida como a mais quente, o verão. E deve-se imaginar
que onde há mais de um milhão de pessoas haverá confusão e empurra-empurra.
Porém, comigo nunca aconteceu nada. Só uma vez que tomei dois tiros, três
facadas e tive um gargalo de garrafa enfiada em meu pescoço. Morri, mas tô aqui
para contar a história”.
Papo
vai e papo vem, costumo perguntar qual será a programação do meu interlocutor
no mesmo dia. “Olha, costumo ir a Olinda no sábado do Galo. Acho bem mais legal
de brincar no sábado, nas Ladeiras, do que nos outros dias. Os outros dias estão
mais ‘cláudio’ ”, respondem-me na maioria das vezes. Para quem não é de Recife, “cláudio”
é uma corruptela da palavra inglesa crowd
– multidão.
Como
sou um bicho curioso, ouso fazer mais perguntas neste naipe: “E como é Olinda
no sábado? Como é o clima por lá? Como é a galera?”.
Alguns me respondem assim: “Bem, no ano passado já tinha muita gente já. Cheguei por
lá de manhã e já tinha uma galera nada a ver velho. Um bando de boyzinho
tabacudo. Umas nêgas cocotas. Pô, tem uma galera que pensa que Olinda é balada.
Ficam lá de ice na mão, vodca ou uísque
com energético. Os playboys sem camisa, bermudão e óculos espelhados. As nêgas
com escova no cabelo, maquiagem, altos perfumes fuderosos. Tudo cheio de não me
toque. Pô, uma turma sem noção, nada a ver. Não tô curtindo mais Olinda no
sábado. Uma galera Ozzy que parece que tá no Olinda Beer. Daí o cara desce para
o MAC e vê a mesma galera cheirando loló, fumando maconha, cantando aquela
dúzia de frevos que todo mundo sabe de cor e salteado. As ruas lavadas de mijo.
Pô, tô de saco cheio. Acho que este ano vou para o Festival de Jazz de
Garanhuns”.
Interrompo
a fala deste último dizendo que o Festival de Jazz de Garanhuns foi transferido
para Gravatá.
“Ah,
foi? Bem melhor agora. Gravatá é mais próximo e Garanhuns também tá muito ‘cláudio’.
Um amigo foi para o Festival de Jazz um ano desse aí e disse que o pico já tava
ficando sujeira porque a turma de Recife já tava claudiando o evento. Assim
como ocorreu com o Festival de Inverno. Pô, fui pra o Festival de Inverno e o Parque
Pau Pombo parecia mais a rua do ‘Frontal’. Aquela galera Ozzy de casaco e Heineken
na mão dando a ‘egípcia’ pro cara. Sei lá, tô pensando e zarpar neste carnaval.
Ir pra um pico limpeza. Sem esse tumulto e tal. Pegar uma praia. Ir pra
Chapada. Alguma onda dessa. Recife e Olinda tá muito ‘cláudio’. O único dia que
prestava de brincar em Olinda era o sábado e a galera estragou o pico. Daqui a
pouco tá parecendo o Galo. Uma galera nada a ver descendo as ladeiras,
vuco-vuco, empurra-empurra parecendo mais a Joana Bezerra. Tá o maior embaço”.
Me despeço deste meu último interlocutor pensando em encaminhar-lhe um e-mail que recebi
há alguns dias oferecendo um retiro espiritual numa chácara em Aldeia. O pacote
inclui: meditação transcendental; shiatsu; reike; ioga, com direito a liberação
do kundalini; alimentação macrobiótica, vegetariana ou vegana; mantras três
vezes ao dia e orações ecumênicas. Tudo isso num investimento de apenas R$
500,00 nos quatro dias de Momo. O nome do retiro é: Carvavalis – Adeus carne. E promete fazer você encontrar-se consigo
mesmo.
o texto tem tanta pretensão em não dizer nada e se afirmar enquanto "bom carnavalesco" do galo da madrugada que mais parece que foi escrito por uma das várias "personagens"
ResponderExcluirPenso eu, e acredito que falo por todos do blog, que a maior das nossas pretensões aqui é tão somente nos divertir, escrevendo sobre o que a gente vê e aumentando um ponto o conto, afinal, sem esse expediente o que seria da literatura que conta causos? No mais, temos cara e a mostramos, apesar dos pseudônimos. Há uma sessão no blog com os perfis dos autores, com foto, nome, contato... Acreditamos que devemos assumir o ônus e o bônus do que escrevemos aqui e por isso mesmo é que mostramos a cara para que ela possa ser dada à tapa. Entendemos também que o anonimato muitas vezes é um recurso necessário, diante das represálias iminentes duma situação em que mostrar o rosto possa trazer, mas isso em situações de exceção, como quando se está diante de algo como um regime ditatorial de governo, em que a segurança pessoal possa estar em jogo, quando se fala o que se pensa e essa fala tem rosto. Sim, nesses casos o anonimato parece ter um fundamento mais do que pragmático, diria eu. Mas no caso de um blog como o nosso, em que a maior pretensão (pra voltar a utilizar o termo central do comentário acima), o anonimato, no contexto do cometário sobre um texto ficcional que se inspira levemente no dia a dia, parece soar como se a carapaça tivesse servido e mais ainda, o anonimato aqui soa como se o anônimo em questão se identificasse com o personagem "Claudio" descrito no texto, mas tivesse vergonha de mostrar a cara justamente para não ser confundido como tal.
ExcluirBom, estamos abertos às críticas e sempre que possível as responderemos, mas seria mais interessante responder a alguém com rosto, já que nessa esfera do concreto o debate se daria entre pessoas, sujeitos com rosto e reais e não entre personagens. Para o diálogo entre personagens já existe para nós o blog, que é mais do que suficiente para suprir a esfera dos nossos diálogos imaginários.
Um abraço não-anônimo, meu(a) caro(a).
Kleiber Lira (Calango Albino) por Foi Hoje.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluircaro e estimado escritor....mude de amigos...e vamos pros galos da vida....essa galera não tá com nada!
ResponderExcluirass. kombeiro do amor