Talking bodys
Se há uma
coisa que ponho em pé de igualdade com o sexo, é a literatura. Quando
encontro-me imerso em uma boa narrativa, toda minha libido concentra-se nela, é
o amor no tempo de palavra escrita – a carne torna-se verbo.
Quedado
neste estado de coisas, sentado em minha poltrona com um livro do Thomas
Bernhard[1]
na mão, uma xícara de café ao lado do cinzeiro, acompanhado de um maço de
cigarros. Era um fim de tarde chuvoso de junho, fazia frio em Recife. De
repente, um WhatsApp: “Tô chegando, abre o portão pra mim”. Era uma amiga que
estava saindo comigo à época. A princípio, não queria ver ninguém, mas enquanto
a mente é misantropa; o corpo é cosmopolita.
Ela chegou
com aquela olhar cor de chá de canela, molhado tal qual. Calça legging preta ressaltando as pernas. Uma
camisa cinza de mangas longas e gola rolê. Sapatilhas levemente molhadas devido
à chuva. Os cabelos ruivos umedecidos não pela chuva, mas sim pelo banho recém
tomado. Um perfume levemente cítrico saía por trás do seu cabelo vermelho
encaracolado, numa espécie de folha de limão partida rente ao nosso nariz.
Beijou-me num
selinho meio sem jeito e foi logo dizendo: - “Há quanto tempo... Chega por aqui
e nem dá sinal de vida”. – "Pois é, cheguei antes de ontem do Pará e com essa
chuva, nem me animei para sair. Até por que esta cidade torna-se uma grande
pocilga quando chove, cidade anfíbia do caralho”. Tinha passado quinze dias em
Santarém (PA) para trabalhos de manutenção na rede de Call Centers que trabalho há mais de 6 anos. Voltei e fiquei em
casa arrumando minhas coisas e curtindo-a ao mesmo tempo e, como diz Dorothy no
Mágico de Oz: “Não há lugar como o nosso lar”.
- “Estava
com saudades de tu, não vou mentir (risos) e ainda trouxe algo”. Puxou
da bolsa a tiracolo um par de baseados. - "De mim acho que você não sentiu
falta, seu escroto, mas da 'massa' da terrinha, acredito que sim (risos)”. De
fato, sentia falta da maconha pernambucana – saiu da região limítrofe do
estado, é difícil encontrar o famoso “camarãozinho”. Acredito que se a maconha
fosse legalizada, Pernambuco seria uma potência econômica, seria o nosso café –
a acumulação primitiva do “soltinho”.
- "Eita,
vejo que tu arrumasse esse teu apartamento. Tá tudo nos trinques”, constatou
sobre a aparência do meu cafofo. – “Tu sabes que sou organizado com minhas
coisas. Minha vida pode ser uma zona, porém minha casa é arrumada. Além disso,
fiz compras e trouxe umas cervejas”, respondi. – “Eu sei, tava só zoando
contigo. Olha, vou acender ‘um’ para nós fumarmos, tá certo?” perguntou-me. – “Sim,
sim. Acende aí enquanto vou ali na geladeira pegar umas cervas para a gente”.
Enquanto fumávamos,
começamos a trocar olhares e a sorrir à toa. Abri as cervas rosqueando-as na
borda de minha camisa. Liguei o computador e pus para tocar o disco do Talking Heads – 77.
O fumo e as
cervejas nos envolviam nos braços da saudade um do outro.
Convidei-a
para dançar ao som da guitarra matreira de David Byrne em, New fellings (“It’s not... yesterday... anymore / I go visiting, I
talk loud / I try to make myself clear”). Bailamos pela sala do meu apê, sobre
um tapete ridículo que tem uma a bandeira do Canadá estampada nele, não sei
como não joguei-o fora ainda. A partir de Happy day (“And I fell all over and I / couldn’t
stand up I can’t be critical / I can’t won't stop”) começamos a nos beijar.
Suavemente,
nos despimos. Peça por peça como numa partida pensada de xadrez. Jogo tático,
sem nenhuma estratégia, como nas partidas do chamado xadrez romântico do final
do século XIX e início do XX – peão na quarta do rei para abrir todas as
possibilidades.
Nus.
Seu corpo
branco com pintinhas de sarda à altura dos ombros, era o desejo e a saudade
encarnados ali sobre meu corpo na poltrona levemente reclinada.
Uma palavra
nos conceituava naquele momento: sintonia.
De dois
fez-se um; o uno transformou-se em verso.
Seus mamilos
se enrijeceram enquanto concentrava-me nos sobe e desce deles. O sexo talvez
seja o mantra mais antigo da humanidade, dois corpos em um movimento unidirecional.
Deitei-a
sobre o tapete “canadense”, e enquanto beijava-a, sentia todo o seu corpo,
assim como também o meu. Subi um pouco e concentrei-me mais uma vez nos seus
seios. Em seguida, nos mamilos, numa espécie de Gestalt fui imergindo na
vertigem alaranjada/rubra dos círculos concêntricos dos seios para os mamilos
que, ora subiam; ora desciam.
“Psycho killer, qu’est-ce que c’est / Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Far
Better / Run Run Run Run Run Run Run away, ooh ooh / Psycho killer, qu’est-ce
que c’est / Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Far Better / Run Run Run Run Run Run Run
away, ooh aiaiaiaiai”
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