Talking bodys

2.8.15 Cabotino 0 Comentarios


Se há uma coisa que ponho em pé de igualdade com o sexo, é a literatura. Quando encontro-me imerso em uma boa narrativa, toda minha libido concentra-se nela, é o amor no tempo de palavra escrita – a carne torna-se verbo.

Quedado neste estado de coisas, sentado em minha poltrona com um livro do Thomas Bernhard[1] na mão, uma xícara de café ao lado do cinzeiro, acompanhado de um maço de cigarros. Era um fim de tarde chuvoso de junho, fazia frio em Recife. De repente, um WhatsApp: “Tô chegando, abre o portão pra mim”. Era uma amiga que estava saindo comigo à época. A princípio, não queria ver ninguém, mas enquanto a mente é misantropa; o corpo é cosmopolita.

Ela chegou com aquela olhar cor de chá de canela, molhado tal qual. Calça legging preta ressaltando as pernas. Uma camisa cinza de mangas longas e gola rolê. Sapatilhas levemente molhadas devido à chuva. Os cabelos ruivos umedecidos não pela chuva, mas sim pelo banho recém tomado. Um perfume levemente cítrico saía por trás do seu cabelo vermelho encaracolado, numa espécie de folha de limão partida rente ao nosso nariz.

Beijou-me num selinho meio sem jeito e foi logo dizendo: - “Há quanto tempo... Chega por aqui e nem dá sinal de vida”. – "Pois é, cheguei antes de ontem do Pará e com essa chuva, nem me animei para sair. Até por que esta cidade torna-se uma grande pocilga quando chove, cidade anfíbia do caralho”. Tinha passado quinze dias em Santarém (PA) para trabalhos de manutenção na rede de Call Centers que trabalho há mais de 6 anos. Voltei e fiquei em casa arrumando minhas coisas e curtindo-a ao mesmo tempo e, como diz Dorothy no Mágico de Oz: “Não há lugar como o nosso lar”. 

- “Estava com saudades de tu, não vou mentir (risos) e ainda trouxe algo”. Puxou da bolsa a tiracolo um par de baseados. - "De mim acho que você não sentiu falta, seu escroto, mas da 'massa' da terrinha, acredito que sim (risos)”. De fato, sentia falta da maconha pernambucana – saiu da região limítrofe do estado, é difícil encontrar o famoso “camarãozinho”. Acredito que se a maconha fosse legalizada, Pernambuco seria uma potência econômica, seria o nosso café – a acumulação primitiva do “soltinho”. 

- "Eita, vejo que tu arrumasse esse teu apartamento. Tá tudo nos trinques”, constatou sobre a aparência do meu cafofo. – “Tu sabes que sou organizado com minhas coisas. Minha vida pode ser uma zona, porém minha casa é arrumada. Além disso, fiz compras e trouxe umas cervejas”, respondi. – “Eu sei, tava só zoando contigo. Olha, vou acender ‘um’ para nós fumarmos, tá certo?” perguntou-me. – “Sim, sim. Acende aí enquanto vou ali na geladeira pegar umas cervas para a gente”.
Enquanto fumávamos, começamos a trocar olhares e a sorrir à toa. Abri as cervas rosqueando-as na borda de minha camisa. Liguei o computador e pus para tocar o disco do Talking Heads – 77

O fumo e as cervejas nos envolviam nos braços da saudade um do outro. 

Convidei-a para dançar ao som da guitarra matreira de David Byrne em, New fellings (“It’s not... yesterday... anymore / I go visiting, I talk loud / I try to make myself clear”). Bailamos pela sala do meu apê, sobre um tapete ridículo que tem uma a bandeira do Canadá estampada nele, não sei como não joguei-o fora ainda. A partir de Happy day (“And I fell all over and I / couldn’t stand up I can’t be critical / I can’t won't stop”) começamos a nos beijar. 

Suavemente, nos despimos. Peça por peça como numa partida pensada de xadrez. Jogo tático, sem nenhuma estratégia, como nas partidas do chamado xadrez romântico do final do século XIX e início do XX – peão na quarta do rei para abrir todas as possibilidades.

Nus. 

Seu corpo branco com pintinhas de sarda à altura dos ombros, era o desejo e a saudade encarnados ali sobre meu corpo na poltrona levemente reclinada.

Uma palavra nos conceituava naquele momento: sintonia.

De dois fez-se um; o uno transformou-se em verso. 

Seus mamilos se enrijeceram enquanto concentrava-me nos sobe e desce deles. O sexo talvez seja o mantra mais antigo da humanidade, dois corpos em um movimento unidirecional.

Deitei-a sobre o tapete “canadense”, e enquanto beijava-a, sentia todo o seu corpo, assim como também o meu. Subi um pouco e concentrei-me mais uma vez nos seus seios. Em seguida, nos mamilos, numa espécie de Gestalt fui imergindo na vertigem alaranjada/rubra dos círculos concêntricos dos seios para os mamilos que, ora subiam; ora desciam.

“Psycho killer, qu’est-ce que c’est / Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Far Better / Run Run Run Run Run Run Run away, ooh ooh / Psycho killer, qu’est-ce que c’est / Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Far Better / Run Run Run Run Run Run Run away, ooh aiaiaiaiai”




[1] Estava lendo, Origem. São Paulo: Companhia das letras, 2006.

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