O pão nosso de cada dia
Eu não podia comer sozinho, os anos de vida eram tão poucos
que ainda não tinham me dado habilidade no manuseio dos talheres. Eu era uma
criança, criancinha. Minha avó me levava colheradas à boca, sempre nas horas
sagradas de cada refeição. No final, lá pela ultima ou penúltima porção eu
disse “não quero mais” ao que minha avó respondeu “coma meu netinho, coma, pois
tem muita criança no mundo morrendo de fome, querendo comer sem nada ter
enquanto você tem e está querendo jogar no lixo; jogar comida no lixo é um
pecado” e então eu comia. Isso aconteceu duas ou três vezes até que não pensei
mais em desperdiçar comida. Minha avó não precisou gritar, nem brigar comigo
para me convencer. Além do mais, ela era incapaz de ser estúpida com alguém.
Números divulgados pela ONU aproximadamente um ano atrás,
revelam que 2 bilhões de seres humanos no mundo passam fome todos os dias, isso
significa que agora, enquanto escrevo essa crônica, 2 em cada 7 seres humanos
do planeta estão passando fome.
Mais do que por carência técnica ou por problemas naturais,
a fome é causada por carência moral, principalmente dos ricos, que nos faz esquecer o outro (o faminto),
nosso semelhante. Números exaustivamente divulgados mostram que a produção
mundial de alimentos já é suficiente para sanar a fome de todos, mas o capitalismo
se apossou do “pão do nosso de cada dia”; para comer é preciso pagar. Quem não paga
não come e sente o oco trazido pela fome, fome daquilo que é básico para não passarmos
pela morte do corpo e da dignidade.
Do topo do seu analfabetismo minha vó dava lições de
humanidade, usando para isso somente poucas palavras e não deixando sobrar no
prato as últimas colheradas.
Castanha 27 de novembro de 2014
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