Pela janela

18.3.14 Cabotino 0 Comentarios


             A televisão matou a janela (N. Rodrigues)

Não sei o que tem janela de ônibus para nos fazer pensar e repensar os rumos de nossas vidas ao sabor da cidade que ora se aproxima ou se distancia como o som das sirenes.

Qual não é a nossa satisfação quando subimos em um coletivo e damos de cara com uma cadeira vazia e ainda por cima na janela. Ou quando está lotado e alguém vai descer justamente no par de cadeiras que você esta ao lado esperando qualquer desenrolar: corredor ou janela? E para sua surpresa é a janela e o melhor, quem ficou no corredor não a quer – a sorte se levantou para você.

Já reparam a quantidade de guimbas de cigarros que encontramos em torno das paradas de ônibus? Dizem até que se você acender um cigarro o seu ônibus aparece em um passe de mágica. É mentira, sou fumante e isso só às vezes acontece.

Enfim, acredito que o desamparo ao relento e a demora façam com que as pessoas anseiem o seu ônibus, mas à reflexão com um cigarro é comprometida pela expectativa do coletivo. Uma vez no ônibus e, repito, só na janela o nosso pensamento alça voou com o nossos corpos em movimento e encapsulados por toneladas de ferro, aço e vidro e com a cidade dilatando e contraindo no intervalo de cada semáforo vermelho – é a respiração sofrível da cidade que cadencia o ritmo de nossos pensamentos.

Qual não é a nossa satisfação em pegar um ônibus tarde da noite e na janela sentir o vento batendo no focinho como um poodle na janela de um carro, eles também apreciam... A reflexão vai ao ritmo do motor e a cada viaduto e avenida às luzes de mercúrio ditam o tempo e o espaço de nossos pensamentos refletidos através das pichações, galerias, praças etc., a respiração da cidade flui a essa hora e em suas artérias nossos pensamentos são como hemoglobinas.

No trânsito tentamos nos proteger em nossa janela da polifonia e polissemia da metrópole. Ao som de nosso playlist do celular ou em uma FM qualquer acumulamos informações compartilhadas com a sensação de exclusividade. Pensamos na pessoa amada e vemos mais um motociclista sendo atendido por uma ambulância. Pensamos em nosso trabalho e alguém oferece mais uma mercadoria, neste mundo já tão cifrado, dentro do ônibus. Pensamos em nossa família e amigos e aquela menina linda no ponto do ônibus, com olhos cansados que pensa também em alguma coisa, e que responde fugazmente ao nosso olhar e até com certa sensualidade, mas logo nos esquecemos dela no instante do próximo outdoor.

Quem nunca perdeu ou quase deixou de perder o ponto que iria descer por conta das reflexões em uma janela de ônibus? O movimento é o pai da vida moderna e nossos pensamentos, por mais que queiram, ainda guarda raízes pré-modernas, principalmente quando há muito estímulo – paradoxalmente estímulo é inércia e a janela de ônibus é a prova disso.

Por fim, sempre queremos chegar logo ao nosso destino, mas em uma janela de ônibus este desejo é retrato tirado na paisagem emoldurada pelas lentes da janela.






0 comentários: