Pela janela
A televisão
matou a janela (N. Rodrigues)
Não sei o que
tem janela de ônibus para nos fazer pensar e repensar os rumos de nossas vidas
ao sabor da cidade que ora se aproxima ou se distancia como o som das sirenes.
Qual não é a
nossa satisfação quando subimos em um coletivo e damos de cara com uma cadeira
vazia e ainda por cima na janela. Ou quando está lotado e alguém vai descer
justamente no par de cadeiras que você esta ao lado esperando qualquer
desenrolar: corredor ou janela? E para sua surpresa é a janela e o melhor, quem
ficou no corredor não a quer – a sorte se levantou para você.
Já reparam a
quantidade de guimbas de cigarros que encontramos em torno das paradas de
ônibus? Dizem até que se você acender um cigarro o seu ônibus aparece em um
passe de mágica. É mentira, sou fumante e isso só às vezes acontece.
Enfim, acredito
que o desamparo ao relento e a demora façam com que as pessoas anseiem o seu
ônibus, mas à reflexão com um cigarro é comprometida pela expectativa do coletivo.
Uma vez no ônibus e, repito, só na janela o nosso pensamento alça voou com o
nossos corpos em movimento e encapsulados por toneladas de ferro, aço e vidro e
com a cidade dilatando e contraindo no intervalo de cada semáforo vermelho – é
a respiração sofrível da cidade que cadencia o ritmo de nossos pensamentos.
Qual não é a
nossa satisfação em pegar um ônibus tarde da noite e na janela sentir o vento
batendo no focinho como um poodle na janela de um carro, eles também
apreciam... A reflexão vai ao ritmo do motor e a cada viaduto e avenida às
luzes de mercúrio ditam o tempo e o espaço de nossos pensamentos refletidos através das pichações, galerias, praças etc., a respiração da cidade flui a
essa hora e em suas artérias nossos pensamentos são como hemoglobinas.
No trânsito
tentamos nos proteger em nossa janela da polifonia e polissemia da metrópole. Ao
som de nosso playlist do celular ou
em uma FM qualquer acumulamos informações compartilhadas com a sensação de
exclusividade. Pensamos na pessoa amada e vemos mais um motociclista sendo
atendido por uma ambulância. Pensamos em nosso trabalho e alguém oferece mais
uma mercadoria, neste mundo já tão cifrado, dentro do ônibus. Pensamos em nossa
família e amigos e aquela menina linda no ponto do ônibus, com olhos cansados
que pensa também em alguma coisa, e que responde fugazmente ao nosso olhar e até com certa sensualidade, mas logo nos esquecemos dela no instante do próximo outdoor.
Quem nunca
perdeu ou quase deixou de perder o ponto que iria descer por conta das
reflexões em uma janela de ônibus? O movimento é o pai da vida moderna e nossos
pensamentos, por mais que queiram, ainda guarda raízes pré-modernas, principalmente
quando há muito estímulo – paradoxalmente estímulo é inércia e a janela de
ônibus é a prova disso.
Por fim, sempre
queremos chegar logo ao nosso destino, mas em uma janela de ônibus este desejo
é retrato tirado na paisagem emoldurada pelas lentes da janela.
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