Dentro da estrela azulada
"pó da estrada brilha nos meus olhos
Como a distância matando as palavras".
Toda
despedida dói, isso é um pleonasmo. Excetuando a morte, inevitável para todos
nós, a despedida que mais nos dilacera é a marítima. Quem não se lembra das
fotografias em preto e branco das companheiras se despedindo dos seus
companheiros com aquela ênfase que só a ida à guerra proporciona – à plataforma
de embarque repleta de acenos, os lenços brancos tremulando, os beijos com o
gosto de “estarei te esperando”.
Das
três despedidas – pedestre (rodoviária); celeste (aeroporto) e mareste
(neologismo para se referir a despedida pelo mar, em um cais) irei me referir
mais detidamente à despedida terrestre, deixando de lado a celeste (avião) por
ser ainda algo novo para o grosso da população brasileira e também pela falta
de ênfase tanto dos aeroportos (todos assepticamente parecidos) quanto das
despedidas (em sua maioria comedida e seguindo os ritos da disciplina emocional
da classe média) e, por fim, a mareste ficará de lado, pois já há uma vasta
literatura artística sobre esta forma de despedida, por exemplo: o livro
Mensagem de Fernando Pessoa, a música Vapor barato de W. Salomão e J. Macalé
entre outras narrativas.
Já
repararam como às rodoviárias são locais por excelência do drama humano?
Pergunto-vos, quantos mendigos vocês encontram em um aeroporto ou em um cais?
Não temos asas tampouco guelras, mas temos pés e estômago e os pés levam-nos
onde a vida foge, onde a vida retorna, onde a vida é nervosa e onde dá para
correr vida afora e país adentro.
Toda
rodoviária é uma saudade movida a óleo diesel.
A
estrada tem a concretude da mobilidade humana, nela sempre iremos morrer apesar
dos cintos de segurança e dos air-bags duplos, porque lançar-se sobre ela é um
mergulho em busca de novos ares e, ar é vida e a vida é tão inevitável quanto à
morte.
Se
o brasileiro é um desterrado em sua própria terra, o nordestino é um Odisseu
sobre rodas e sua Ítaca é a errância por este país de 8 milhões de km², de
vidas e corações partidos – o baião é uma invenção das paisagens que ficaram
para trás.
A
viagem aérea reflete um Brasil engenhoso de Santos Dumont e Tom Jobim (não é à
toa que ambos viraram nomes de aeroportos) como as batidas de um relógio de
pulso ou dos acordes dissonantes da Bossa Nova. Já a viagem pelo mar ou por rio
traduzem o ritmo lânguido e triste das águas como a voz em banzo de um Dorival
Caymmi. Porém a estrada guarda o mistério de nossos interiores como um
ensandecido Villa-Lobos sempre indo ao Ocidente do Ocidente – uma viagem ao fim
de nosso sertão.
Os
ônibus dobram a esquina e acabou. Os barcos vão devagar até serem engolidos,
demoradamente, pela barra do horizonte. Os aviões somem assustadoramente entre
as nuvens. Mas, só nos ônibus é que podemos parar no meio da estrada para comer
e quem sabe encontrar o amor de nossas vidas ou então simplesmente perder o
ônibus.
A
estrada à noite revela mais estrelas do que o céu de um avião ou o firmamento
distante de um navio em alto mar. A lua da estrada é mais confidente porque a
encaramos em 180° como o traveling de
um road movie.
Da
Companhia de Jesus ao GPS o Brasil foi inventado pelas estradas e, só quem
volta para casa após uma noite de estrada, sabe que não há mais lugar fixo no
mundo, pois a vida tornou-se uma frase de para-choque de caminhão – uma
mensagem em movimento.
Cabotino, meu velho, que bela crônica! Isso aqui "Toda rodoviária é uma saudade movida a óleo diesel." e mais isso aqui "Da Companhia de Jesus ao GPS o Brasil foi inventado pelas estradas e, só quem volta para casa após uma noite de estrada, sabe que não há mais lugar fixo no mundo, pois a vida tornou-se uma frase de para-choque de caminhão – uma mensagem em movimento." Muito bom e muito bonito.
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