Os sete pecados das capitais [Bovarismo] V
Bovarismo
Andava suspirando pelos cantos,
sem vontade de comer, um comichão na barriga, as mãos suadas e aquela vontade
danada de lotear o futuro. Já pensava como seria a sua vida com Ele, a
prestação do apartamento próximo ao trabalho; o faqueiro em forma de melancia
aberta e o par de pantufas do Lion King.
Ligava diariamente para a sua “Amiga” (era assim que se referia a ela) para lhe
contar as novidades: Amiga, ele é tudo o
que há. Bonito, simpático, inteligente, educado, cheiroso, elegante. Parece até
aquele menino da novela das oito, aquele que joga futevôlei na praia, se lembra?
Na sucessão de cada adjetivo o seu corpo bruxuleava como a chama de uma vela;
seus olhos brilhavam como os de Carlitos sendo reconhecido pela ex-cega em Luzes da cidade. Era a paixão em seu pathos típico - Um Vesúvio de saias
prestes a estourar sobre aquela Pompéia bronzeada e dândi -.
Os dias se passavam e todos os
menores detalhes do flerte eram narrados para a “Amiga” ao telefone a noite, confidente
onipresente, desde: fiquei sabendo que
ele gosta de cultura japonesa e adora sushi Califórnia... Joga gamão... Tem uma
cueca roxa da Lacoste... Até a notícia que a deixou no banheiro todo o
horário de intervalo no trabalho: Amiga,
vi hoje que ele mudou o seu status de relacionamento no Facebook, agora está
solteiro. Era a novidade mais aguardada de sua vida de domingo a domingo
(uma folga na semana) no Call Center das
8 às 14 com uma parada para o “sanduba” da Subway
(nos finais de semana abandonava a marmita).
Três dias após a notícia vinda
da rede social, descobriu que estaria no mesmo horário de trabalho do
“Cristiano Ronaldo do PROJAC”, era sexta feira, o dia em que a Rosa Púrpura do Cairo saí da tela para
ganhar as ruas, à noite e a vida. Ela, cansada dos solilóquios noturnos com a
“Amiga” e, também, do ditame social de que mulher não deve flertar – o tesão
também queima seus sutiãs – foi direto ao assunto, aproximou-se dele no horário
do intervalo e o convidou para o samba que rola no bar B.O, próximo a Faculdade de Direito. O encontro estava marcado,
agora era esperar e que se foda a meta de ligações diárias.
Eram 22 horas e o samba estava
quente, assim como ela toda contente, cerveja vai, cerveja vem, tudo vira
fumaça até as luzes vermelhas do taxímetro estacionando nas instalações do Motel Champanhe – um brinde ao prazer –.
E a vida assim como o automóvel tem seus stops.
Lembrou-se que aquela manhã tinha ficado menstruada e falou para o seu “Simba” a novidade. De imediato foi
repelida com um empurrão que a fez cair no canteiro de flores do Champanhe ao som destas palavras: Porra, se tu tivesse me chamado para jogar
gamão eu teria vindo sem nenhum problema, mas com esta eu não contava, saí do
B.O para o O.B. Caralho! É cada uma que me aparece. E, assim com este puxão
de tapete da natureza ela ficou sozinha, entregue as lágrimas, as orquídeas e a
terra adubada, sua amiga molhada.
Por Cabotino.
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