Os sete pecados das capitais [Bovarismo] V

21.5.13 Cabotino 0 Comentarios



Bovarismo

                Andava suspirando pelos cantos, sem vontade de comer, um comichão na barriga, as mãos suadas e aquela vontade danada de lotear o futuro. Já pensava como seria a sua vida com Ele, a prestação do apartamento próximo ao trabalho; o faqueiro em forma de melancia aberta e o par de pantufas do Lion King. Ligava diariamente para a sua “Amiga” (era assim que se referia a ela) para lhe contar as novidades: Amiga, ele é tudo o que há. Bonito, simpático, inteligente, educado, cheiroso, elegante. Parece até aquele menino da novela das oito, aquele que joga futevôlei na praia, se lembra? Na sucessão de cada adjetivo o seu corpo bruxuleava como a chama de uma vela; seus olhos brilhavam como os de Carlitos sendo reconhecido pela ex-cega em Luzes da cidade. Era a paixão em seu pathos típico - Um Vesúvio de saias prestes a estourar sobre aquela Pompéia bronzeada e dândi -.
                Os dias se passavam e todos os menores detalhes do flerte eram narrados para a “Amiga” ao telefone a noite, confidente onipresente, desde: fiquei sabendo que ele gosta de cultura japonesa e adora sushi Califórnia... Joga gamão... Tem uma cueca roxa da Lacoste... Até a notícia que a deixou no banheiro todo o horário de intervalo no trabalho: Amiga, vi hoje que ele mudou o seu status de relacionamento no Facebook, agora está solteiro. Era a novidade mais aguardada de sua vida de domingo a domingo (uma folga na semana) no Call Center das 8 às 14 com uma parada para o “sanduba” da Subway (nos finais de semana abandonava a marmita).
                Três dias após a notícia vinda da rede social, descobriu que estaria no mesmo horário de trabalho do “Cristiano Ronaldo do PROJAC”, era sexta feira, o dia em que a Rosa Púrpura do Cairo saí da tela para ganhar as ruas, à noite e a vida. Ela, cansada dos solilóquios noturnos com a “Amiga” e, também, do ditame social de que mulher não deve flertar – o tesão também queima seus sutiãs – foi direto ao assunto, aproximou-se dele no horário do intervalo e o convidou para o samba que rola no bar B.O, próximo a Faculdade de Direito. O encontro estava marcado, agora era esperar e que se foda a meta de ligações diárias.
                Eram 22 horas e o samba estava quente, assim como ela toda contente, cerveja vai, cerveja vem, tudo vira fumaça até as luzes vermelhas do taxímetro estacionando nas instalações do Motel Champanhe – um brinde ao prazer –. E a vida assim como o automóvel tem seus stops. Lembrou-se que aquela manhã tinha ficado menstruada e falou para o seu “Simba” a novidade. De imediato foi repelida com um empurrão que a fez cair no canteiro de flores do Champanhe ao som destas palavras: Porra, se tu tivesse me chamado para jogar gamão eu teria vindo sem nenhum problema, mas com esta eu não contava, saí do B.O para o O.B. Caralho! É cada uma que me aparece. E, assim com este puxão de tapete da natureza ela ficou sozinha, entregue as lágrimas, as orquídeas e a terra adubada, sua amiga molhada.

Por Cabotino.  

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