Do Som ao Redor ao Treze de Maio.

12.5.13 Cabotino 1 Comentarios





Nem lembro exatamente o dia do fato, mas acredito que se tratava de uma sexta-feira à noite, isso por causa da quantidade de pessoas nas ruas e nos bares, e também porque era difícil eu ir ao bar do Lula sem ser numa sexta.
O que eu lembro eu vou contar. Lembro com muita precisão do sentimento que me tomava quando saí da sala do cinema, de toda aquela euforia e sentimento de revolta frente à fuleiragem da vida burguesa e todo seu barulho que passaram no filme. Lembro que na saída do cinema encontrei um primeiro casal de amigos, os dois sociólogos, mas não tive espaço e nem tempo pra conversar com eles, só consegui dizer “o filme é foda!”. Logo em seguida encontrei um segundo casal de amigos, ele sociólogo, ela bióloga, falávamos com tanto afeto do filme, como ele tinha dado uns bons tapas na cara de grande parte da galera burguesa que também tinham assistido a aquele filme burguês, naquela sala de cinema burguês. Falávamos de como a sociedade recifense era escrota consigo mesma; falávamos de como a vida naquele filme parecia tanto com a vida da gente e de muita gente. E ainda falávamos como era escroto o fato de uma mãe de família não poder fumar seu baseado na frente dos filhos e, mais escroto ainda, o fato dessa mulher dar uma “trepadinha” com sua máquina de lavar.
Em meio a toda aquela conversa sobre Recife e suas histórias malucas, eis que se chega mais uma amiga, outra socióloga, meu deus, livrai-nos desse mal. Ela estava pra entrar no cinema, não pra assistir aquele filme que comentávamos, mas ia ver um filme sobre a história de uma menina de Recife, também burguesa, e suas “trepadinhas” aleatórias. Quando essa terceira amiga se chegou na roda, conversamos um pouco sobre os filmes e logo mudamos de assunto, passamos a falar então do triste caso do assassinato de um amigo de faculdade, outro sociólogo.
O sentimento que me tomava naquele instante foi intensificado mais ainda, toda a revolta se intensificou, porque nosso amigo tinha sido encontrado morto numa praia burguesa de Recife. Por um instante ficamos calados, lembrando do nosso amigo e da forma brutal e burguesa que ele tinha sido assassinado. Voltamos a nos falar, nos despedimos e cada um seguiu seu rumo.
Era sexta-feira à noite e eu estava pra me mudar de Recife, decidi ir tomar uma cerveja e tomar um caldinho de feijão com torradas no bar de Lula. Tomei meu rumo ao bar de Lula, um garçom “de primeira”. Eu tinha duas opções pra chegar ao bar, pegar um ônibus até o Parque Treze de Maio ou ir a pé. Pois bem, não há nada melhor do que caminhar em plena Avenida Conde da Boa Vista, numa provável sexta-feira à noite. Todas aquelas luzes, os vendedores de pipoca, todas aquelas paradas de ônibus bizarras e lotadas de pessoas seguindo seus rumos bizarros, todas aquelas lojas vulgares com seus produtos vulgares, sem falar naquele posto de gasolina cheio de pessoas em busca de felicidade. Continuo pensando no assassinato e naquele filme, pensando como a vida é tão o mais do mesmo. No meio do caminho há vários bares vulgares, com cervejas baratas e de péssima qualidade, cheio de garçons mal pagos e infelizes. Continuo a andar e observar toda aquela gente se entupindo de churros das carrocinhas e de cervejas baratas, até que dobro numa esquina que tem um bar muito interessante. Era o bar de Morgana, uma senhora que serve as mesas com todo carinho e afeto, mas que infelizmente eu não poderia receber esse afeto, era uma sexta-feira e eu precisava tomar aquele caldinho e comer aquelas torradas. Continuo minha caminhada. Viro uma, duas esquinas, e finalmente chego ao bar de Lula.
Sabe aquela relação com o garçom que te trata pelo seu nome e você pelo dele? Pois então, a nossa era assim. O bar do Lula é aquele típico boteco cheio de universitários burgueses tomando suas cervejas de qualidade duvidosa, mas que tem um caldinho de feijão que vem acompanhado de umas torradinhas de pão francês com um tempero fantástico. É um bar bastante modesto, entupido de grades de cervejas pelo caminho e com a cozinha montada num primeiro andar muito mal feito, ligado por uma escada de causar sérias dores na coluna de qualquer garçom que se atreva a passar a noite subindo e descendo aqueles toscos degraus com pratos de diversas qualidades.
Sento numa mesa, Lula chega para me cumprimentar, um aperto de mão e aquela pergunta “uma cerveja bem gelada e um caldinho de feijão?” Deus, nós precisamos de menos sociólogos e mais garçons. Aceito a oferta sem nem pensar duas vezes. Acendo um primeiro cigarro de fabricação brasileira extremamente duvidosa, que mais parecia coisa feita pelo capeta do que por uma santa qualquer. Enquanto espero pela cerveja, que chega quase no mesmo minuto do primeiro trago, penso em ligar para um amigo, infelizmente Lula não trabalha na cozinha e o caldinho demora mais um pouco pra sair.
Pego meu celular pra ligar pra Brasília, não pra falar com um Lula qualquer, aquele outro já me basta. Ligo pra um amigo, começo a falar do filme, do assassinato e de todo aquele sentimento burguês recifense que me tomava naquela noite. Mais um cigarro de fabricação brasileira extremamente duvidosa, seguido daquela cerveja de qualidade duvidosa, mas bem gelada. Eu não precisava de alta qualidade, só precisava daquele cigarro, daquela cerveja gelada e do caldinho de feijão com torradas. Enfim, meu caldinho chega quente e caprichado de torradas!

Por: Raul Vinícius

Um comentário:

  1. Cara, gostei, me veio a cabeça algumas impressões que ficaram do filme, quando eu assiste a primeira vez. Lembro que as pessoas da faculdade estavam bastante entusiasmadas com o filme e achavam que era uma grande produção do cinema Recifense, eu tinha que ir ver pra tirar a duvida né? Logo no inicio do filme me deparo com uma cena tosca de um garoto andando de bicicleta num playground de prédio, eu já fiquei com os dois pés atras, porque a imagem daqueles malditos azulejos brancos, que todo prédio de classe media tem hoje em dia, não é muito agradável pra min (lembro agora de um dia que o pessoal queria fazer uma festa no playground Antonio Madureira e eu relatei o meus asco por aqueles azulejos brancos, simétricos, que querem passar um aparências de higiene, mas que tornam tudo igual, você vai em 200 prédios da cidade e parece que esta no mesmo loca)l. Bom voltando ao filme, a primeira impressão do filme foi justamente um incomodo pra min, porque me fez lembrar de tudo que eu não gosto do estilo de vida "burguês" dessa cidade. No decorrer do filme a primeira impressão foi se consolidando, era realmente um filme sobre o estilo de vida da classe média da cidade, que por mais que seja um retrato muito fiel da realidade, não me traz uma grande atração, e logo não me sinto identificado com o filme (ao contrario da maioria das outras pessoas que estavam na sala daquele cinema burgues da FUNDAJ, estavam todos rindo e se divertido, deviam estar lembrando de alguém próximo que era bem representado pelo filme). O que Raul escreveu foi massa em relação a andar na Boa vista e ver todas as bizarrices que ela tem, mas que pra min tem um ar muito mais "autentico" do que os bairros de classe média da cidade, me faz lembrar dos locais que parecem toscos na cidade que são muito bons pra dar um rolê justamente por que são tosco e você encontra muitas coisas inusitadas nestes locais.

    Roberto.

    ResponderExcluir