Um dia de cão de a cavalo

9.11.11 Cabotino 1 Comentarios



No Marco Zero da cidade do Recife uma figura excêntrica chama a atenção dos moradores deste rincão urbano fincado na lama: São Petersburgo sem São Pedro. Era um sujeito esquálido, uma barbinha pontiaguda lhe ressaltando o queixo afilado, com roupas de cavaleiro medieval, portando lança, espada a tiracolo e escudo, montado em um cavalo não menos magro que ele.

Estava em seu trote calmo pelo “antigo” bairro da cidade (que alias não é tão antigo assim, mais um exemplo de invenção da tradição desta cidade), quem o via se assustava no primeiro momento, mas, em seguida continuava a sua via crucis diária e circular. Ele por sua vez estranhava as edificações plurais daquele sitio, casarões ornados no estilo rococó, construções em ângulos retos à base de concreto e vidro, afora os cartazes e os automóveis que o cruzavam velozmente.

Em seguida atravessou a Ponte Maurício de Nassau, como um boi terrestre mascando o seu amido de estímulos. Ia devagar, quase parando, até desembocar na Av. Guararapapes, sem holandeses, mas com a sua batalha cotidiana e “pacífica” que expulsa diariamente seus guerreiros em ônibus repletos de entulho humano, navio negreiro do desterro diário.

Reparou que as pessoas de vez em quando olhavam para a torre do edifício dos Correios (onde se encontra o relógio), porém, a maioria delas consultava de instante em instante um pequeno objeto que levavam primeiro aos olhos, e em seguida aos ouvidos, falando com eles através de estranhos solilóquios repletos de pausas e reações distintas. Chegou à conclusão de que aquele deveria ser um Deus em extinção, e que este era agora o novo Deus. Deus no alto grande quase morto; Deus pequeno em nossos bolsos posto - rei morto, rei posto.

O ritmo daquele turbilhão frenético lhe entrando pelos sete buracos de sua cabeça causava-lhe torpor, o calor, os sons, os tons de cores, as palavras pregadas em todos os lugares, enfim, os signos em rotação e a vertigem por símbolos. A apatia já o tinha dominado completamente, o seu cavalo agora é que seguia o seu curso, tomando às rédeas do seu destino e do seu dono.

Por instinto, o animal seguiu através do ar úmido que soprava em suas narinas para o lugar mais verde do Centro da cidade, o parque 13 de Maio (nome pomposo, data vazia). E resfolegando de cansaço foi para o gramado em busca de comida e esteio para o seu dono que se encontrava mais morto do que vivo neste cemitério dos vivos, Recife. Inclinou-se gentilmente para que o seu dono descesse, este o fez quase automaticamente, deitou-se na grama e balbuciou estas palavras:

- Obrigado meu amigo Rocinante. E olhando para o céu completou o seu monólogo. - Pois é minha amada Dulcinéia, a única coisa que não mudou além do meu amor por você, foram às nuvens do céu.


Um comentário:

  1. Olhai! Evoé cabotino! Que chega com olhos que veem os relógios do tempo derretendo nas vias crucis das chamadas metrópoles, com seus deuses e seus demônios!

    Entre cavalgadas rumo à lugares de nome vazio e pomposo, como ele mesmo diz, ou seria o cavalheiro a dizer-lhe, (esquálido como seu cavalo, seu companheiro e meio de locomoção) entre um trago e outro de monóxido de carbono nas vias da imaginação cronísticas?!

    Rico Santana

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