Um dia de cão de a cavalo
No Marco Zero da cidade do Recife uma figura excêntrica chama a atenção dos moradores deste rincão urbano fincado na lama: São Petersburgo sem São Pedro. Era um sujeito esquálido, uma barbinha pontiaguda lhe ressaltando o queixo afilado, com roupas de cavaleiro medieval, portando lança, espada a tiracolo e escudo, montado em um cavalo não menos magro que ele.
Estava em seu trote calmo pelo “antigo” bairro da cidade (que alias não é tão antigo assim, mais um exemplo de invenção da tradição desta cidade), quem o via se assustava no primeiro momento, mas, em seguida continuava a sua via crucis diária e circular. Ele por sua vez estranhava as edificações plurais daquele sitio, casarões ornados no estilo rococó, construções em ângulos retos à base de concreto e vidro, afora os cartazes e os automóveis que o cruzavam velozmente.
Em seguida atravessou a Ponte Maurício de Nassau, como um boi terrestre mascando o seu amido de estímulos. Ia devagar, quase parando, até desembocar na Av. Guararapapes, sem holandeses, mas com a sua batalha cotidiana e “pacífica” que expulsa diariamente seus guerreiros em ônibus repletos de entulho humano, navio negreiro do desterro diário.
Reparou que as pessoas de vez em quando olhavam para a torre do edifício dos Correios (onde se encontra o relógio), porém, a maioria delas consultava de instante em instante um pequeno objeto que levavam primeiro aos olhos, e em seguida aos ouvidos, falando com eles através de estranhos solilóquios repletos de pausas e reações distintas. Chegou à conclusão de que aquele deveria ser um Deus em extinção, e que este era agora o novo Deus. Deus no alto grande quase morto; Deus pequeno em nossos bolsos posto - rei morto, rei posto.
O ritmo daquele turbilhão frenético lhe entrando pelos sete buracos de sua cabeça causava-lhe torpor, o calor, os sons, os tons de cores, as palavras pregadas em todos os lugares, enfim, os signos em rotação e a vertigem por símbolos. A apatia já o tinha dominado completamente, o seu cavalo agora é que seguia o seu curso, tomando às rédeas do seu destino e do seu dono.
Por instinto, o animal seguiu através do ar úmido que soprava em suas narinas para o lugar mais verde do Centro da cidade, o parque 13 de Maio (nome pomposo, data vazia). E resfolegando de cansaço foi para o gramado em busca de comida e esteio para o seu dono que se encontrava mais morto do que vivo neste cemitério dos vivos, Recife. Inclinou-se gentilmente para que o seu dono descesse, este o fez quase automaticamente, deitou-se na grama e balbuciou estas palavras:
- Obrigado meu amigo Rocinante. E olhando para o céu completou o seu monólogo. - Pois é minha amada Dulcinéia, a única coisa que não mudou além do meu amor por você, foram às nuvens do céu.
Olhai! Evoé cabotino! Que chega com olhos que veem os relógios do tempo derretendo nas vias crucis das chamadas metrópoles, com seus deuses e seus demônios!
ResponderExcluirEntre cavalgadas rumo à lugares de nome vazio e pomposo, como ele mesmo diz, ou seria o cavalheiro a dizer-lhe, (esquálido como seu cavalo, seu companheiro e meio de locomoção) entre um trago e outro de monóxido de carbono nas vias da imaginação cronísticas?!
Rico Santana