A brisa passou lá em casa

4.5.16 Cabotino 0 Comentarios


"Eu e a brisa” começa num tom de lamento: “Ah, se a juventude que essa brisa canta/ Ficasse aqui comigo mais um pouco”, mas o tom do lamento não é de desespero. É calmo e singelo, quase um bocejo a deslizar suavemente pelas frases sem rima. A canção é prosaica e sua construção é arquitetada, delicadamente, pelo desenho sonoro da solidão de alguém que segue só. Entretanto, é o solitário solidário porque almeja convidar a brisa para acompanha-lo, ela, a brisa, também solitária a beijar a face e soprar aos corações dos desamparados, iguais a ela.




E continua na toada: “Eu poderia esquecer a dor/ De ser tão só pra ser um sonho/ Daí então quem sabe alguém chegasse/ Buscando um sonho em forma de desejo/ Felicidade então pra nós seria”, a brisa tentará redimi-lo da condição solitária e dolorida caso ela, a brisa, fique no recinto. O convite, singelamente triste, para que a brisa permaneça pode ter o efeito de converter a condição solitária em sonho. Pois a esperança é de que no sonho haja enfim a comunhão – não há solidão nos sonhos. Mas se no ínterim entre, a dor oriunda da solidão e o redentor bálsamo do sonho, chegasse alguém? Aí o ménage se consumaria porque os dois solitários solidários, eu e a brisa, ganhariam a presença do terceiro elemento: o amor.

E o desenho musical segue urdindo como se fosse a própria brisa a deslizar sobre a superfície macia das coisas. A adentrar os recônditos dentro e fora dos corpos. A soprar pelos móveis da casa. Levantar a poeira dos sentimentos. Sacudir o pó do coração. Destravar a porta pesada dos sentimentos abafados em fins de tarde. Anunciar a chegada da lua para alívio dos sensíveis que morrem todas as tardes suspirando por graça: “E, depois que a tarde nos trouxesse a lua/ Se o amor chegasse eu não resistiria/ E a madrugada acalentaria a nossa paz/ Fica, ó brisa fica pois talvez quem sabe/ O inesperado faça uma surpresa/ E traga alguém que queira te escutar/ E junto a mim queria ficar”. Se no início há o lamento que pede a permanência da brisa, ao cabo, a brisa é persuadida a ficar porque o congraçamento com o amor está na iminência do acaso. E bem sabemos que o amor é susceptível ao inesperado. E, assim, numa terna e singela comunhão, seguem os solidários solitários: eu e a brisa.

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