Os números que envolvem a vida e a morte

12.9.15 Cabotino 0 Comentarios


Das duas forças que mais atraem o ser humano estão: o sexo e a morte. Talvez porque seja o início e o fim da vida. Ou talvez por ser dois fenômenos humanos que lembram, respectivamente, a completude e a cisão de duas experiências distintas que um dia buscaram unidade.

Deixarei o sexo para outras paragens, no momento, o que me interessa é refletir sobre a morte não de maneira filosófica ou científica, mas sim de maneira prosaica. Algo do tipo: o que nos leva a quantificar a tragédia? 

Por estes dias me deparei com um cadáver crivado de balas próximo à minha casa. Era um domingo à noite e eu voltava para casa bêbado. Por estes movimentos incalculáveis do destino, eu estava ouvindo no smartphone a canção: Quanto vale a vida? A versão do Filmes de guerra, canções de amor dos Engenheiros do Hawaii. 

Na rua anterior à da minha casa estavam lá: polícia científica e seu macabro rabecão, policiais militares fazendo a contenção para os policiais da civil (quantas policias precisa o Brasil?), e claro, a infinidade de curiosos debruçados sobre o cadáver. Me aproximei e vi que tinham matado Guará. Um “correria” da favela que praticava algumas transgressões – fazia seus “corres”, como se diz por aqui. 

Na boca miúda diziam, a princípio, que Guará estava envolvido com mulher casada. Em seguida, falaram que ele havia esfaqueado há uns dias, dois caras lá para as bandas de riba, por isso, talvez, tenham vindo vingar o sangue alheio que Guará havia vertido dias atrás numa discussão de bar. 

Eu sou mais próximo do irmão de Guará do que era deste. Mas senti o baque da morte pois a finitude daquela maneira é algo que não desejamos a quase ninguém e, o corpo dele ali na sarjeta, crivado de balas, com a água do córrego levando seu sangue morto e coagulado, era uma imagem forte e degradante. Em meio à multidão, uma menina filmava o morto.

Não há nada mais inútil do que filmar um cadáver, pensei.

Ao meu lado havia outra menina, Lilica. Fiz-lhe uma pergunta filho da puta, mas que de tão usual torna-se lugar-comum em momentos assim: quantos tiros ele levou? Ela respondeu-me que: “uns sete tiros só na cabeça. Os caras vieram certinho, dois encapuzados que só queriam ele. Fecharam ele e saíram andando assim como vieram”. Acho que foi uns sete tiros mesmo, ou mais, pois a fisionomia de Guará estava irreconhecível. 

De imediato lembrei do sorriso de Guará quando jogava sinuca lá no bilhar de Sr. Nezinho. Era um dos melhores tacos da favela. Era difícil ganhar para ele, apenas Mago e Careca, às vezes, podiam bater Guará no tapete verde. 

Depois fiquei pensando, o que leva uma pessoa a querer saber os detalhes do impacto, digo, os números que envolvem, como a fumaça de um misterioso incenso funesto, a morte? Vejam bem, quando alguém morre ao cair de um edifício – suicídio ou acidente – as pessoas (inclusive eu) perguntam logo: caiu de que andar? Ou quando alguém é esfaqueado a pergunta de pronto é: quantas facadas?  

Em caso de suicídio a mórbida curiosidade também vem à tona: quantos comprimidos? Se jogou de que ponte? Aquela mais alta? Ou coisas do gênero: “Ele deu três nós na corda!” com exclamação e tudo.

Há um silêncio tácito na quantificação macabra da morte quando se trata de calibre 12. O cara levou um tiro de doze. Pronto, ninguém precisa perguntar quantos tiros foram. Um apenas basta. O emissor e receptor da notícia são cúmplices de um silêncio que assente, no pensamento de ambos: caixão fechado para a família e amigos.

No fundo o que está pautando as interjeições das trágicas notícias é a quantidade, seja ela em toneladas, calibres ou polegadas.

Fico aqui pensando, o que nos leva a esta lúgubre curiosidade diante da morte? Às vezes penso que em relação à finitude e ao sexo, os números são os nossos dínamos. Os amantes têm sua matemática assim como qualquer causa mortis porque no fundo necessitamos fatorar a morte e o sexo para ver se encontramos, por meio de Eros e Thanatos, o máximo divisor comum ou o mínimo múltiplo comum de nossas vidas mesquinhas.

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