Burocrática
Meus papeis já passavam de mão
e mão há mais de um século, quando consegui finalmente resgatá-los ontem pela manhã.
Mais precisamente, dia 25 de Janeiro, consegui ler o que estava escrito no carimbo
da ficha: “Sra. Parcimônia Esteves Burocrática: Chefe executiva do gabinete das
Classificações”. Burocrática - como a chamam carinhosamente - gosta de passar o
dia carimbando papéis amarelados, todos sabem disso, mas quase ninguém a acha na
repartição apesar de sua onipresença. Quando criança, na cidade de Bem Metrificada,
comprou três compassos e uma caneta esferográfica azul para compor seu desenho
de vida. Domina muito bem o Excel e especializou-se em fazer borderôs erigidos
na base da “contabilidade criativa”. Conversa-se, à boca miúda, que com isso
ela conseguiu desacreditar toda a criatividade humana. Pudera?!
Hoje, dia 26 de Janeiro, tentei
matar mais uma vez Burocrática, mas não obtive sucesso. Ela escapou como sempre
quando o galo cantou, e eu fui enganado pelo horário de verão outra vez; paciência, o despertador não tocou. Amanhã chego bem cedo na repartição pra tentar
encontrá-la, mesmo sabendo que, como um Deus, Burocrática é venerada em público e somente negada no íntimo das rezas, ladainhas e mantra: “Maldita, maldita seja!", gritam os fiéis em seus quartos. Por hoje, vou matá-la na mão, porque na unha só se mata piolho.
0 comentários: