Cai, cai, tanajura
“Cai, cai
tanajura tua bunda tem gordura!
Cai, cai, tanajura
tua mãe tá no Ibura!”
Quando
eu era pirraia, sempre que caía aqueles torós de água no dia anterior, daquelas
chuvas que relampiavam o céu e o estrondo dos trovões dava para senti-los
sacolejar os lençóis da cama, ia com meus pariceiros pegar tanajuras aqui perto
dos morros de casa. Regiões com muito barro, ervas daninhas, árvores frutíferas
e, claro, inúmeros formigueiros.
Horas
depois da chuva braba, já nos deparávamos com formigas voadoras, daquelas
graúdas, mas ainda não eram tanajuras. Algumas destas saíam arribadas do bando,
eram poucas. Porém, se quiséssemos pegar muitas tanajuras não tinha boquinha,
tínhamos que ir na intoca delas e sem ficar de tocaia, arregaçar às mangas,
aliás, nesta época éramos todos maloqueiros, e maloqueiro que se presa anda sem
camisa até em dia de Cosme e Damião, pegá-las na boca do lobo, nos
formigueiros.
Havia
várias técnicas para pegar tanajuras, as mais amadoras e tabacudas eram feitas
pelos pirraias menores que não podiam ir para os morros porque suas mães não
deixavam e pelas meninas. Consistia em: pegar algum pedaço de pano, geralmente
uma camisa mesmo, e ficar golpeando o ar com a malha para derrubar as
tanajuras. Olhávamos com desdém e certo ar de superioridade, pois éramos os
Indianas Jones das formigas.
Nós
íamos para os morros com o nosso kit: haste fina e comprida de madeira,
garrafas pet de refrigerante vazia, sacolas plásticas, fósforo, e pedaços de
jornal velho. Chegávamos nos formigueiros após derrubar umas mangas à pedradas
porque ninguém queria subir nos pés por estarem escorregadios por conta das
chuvas. Nem nos de manga nem nos de azeitona roxa.
Nos
formigueiros, metíamos a haste de madeira lá dentro junto com o braço que
entrava até o ombro, evidentemente, recoberto com sacos plásticos porque a
mordida da tanajura dá cada mutuca na pele que meu, velho! [perdoem o cronista
se vocês criaram uma imagem sexual da cena, não foi minha intenção, paciência].
Quando
as danadas insistiam em não cair na da gente que revolvendo o formigueiro com a
haste e trazendo-a até à superfície com algumas delas agarradas na madeira e,
em seguida, sendo colocadas dentro da garrafa pet, nós na malícia acendíamos
uns pedaços de jornal e soprávamos a fumaça dentro do formigueiro. As tanajuras
saíam todas doidas e aí a gente caía em cima delas.
Hoje
eu acho que as tanajuras saíam polvorosas não por conta da fumaça, mas sim da
toxina produzida pela combustão daquelas notícias, rarará, sacanagem...
Descíamos
dos morros com as garrafas pet abarrotadas de tanajuras mutiladas, pois antes
de jogá-las dentro das garrafas nós cortávamos suas asinhas e suas cabeças, ou
seja, só ia o filé para panela.
Geralmente
fritávamos as tanajuras na casa de minha avô que, para todos efeitos, era
parente de praticamente todo mundo da pá. Minha avô é madrinha de todo mundo,
incrível. Além disso, curte uma tanajura na farinha que só ela mesma! – uma
cristã nova com forte marca indígena.
Separávamos
a frigideira, o óleo, umas tirinhas de cebola e pronto. O cheiro da fritada
tomava toda a rua, o bairro, o Recife e toda a minha memória neste momento, de
lá até cá, no duro. Enquanto a pirralhada lá fora entoava: “cai, cai tanajura
tua bunda tem gordura! Cai,
cai, tanajura tua mãe tá no Ibura!”.
Interessante!
ResponderExcluirEu desconhecia de levar jornal velho e fósforo para acender na toca das formigas e fazer fumaça para elas saírem.