Cai, cai, tanajura

14.10.14 Cabotino 1 Comentarios


“Cai, cai tanajura tua bunda tem gordura!
Cai, cai, tanajura tua mãe tá no Ibura!”

Quando eu era pirraia, sempre que caía aqueles torós de água no dia anterior, daquelas chuvas que relampiavam o céu e o estrondo dos trovões dava para senti-los sacolejar os lençóis da cama, ia com meus pariceiros pegar tanajuras aqui perto dos morros de casa. Regiões com muito barro, ervas daninhas, árvores frutíferas e, claro, inúmeros formigueiros.

Horas depois da chuva braba, já nos deparávamos com formigas voadoras, daquelas graúdas, mas ainda não eram tanajuras. Algumas destas saíam arribadas do bando, eram poucas. Porém, se quiséssemos pegar muitas tanajuras não tinha boquinha, tínhamos que ir na intoca delas e sem ficar de tocaia, arregaçar às mangas, aliás, nesta época éramos todos maloqueiros, e maloqueiro que se presa anda sem camisa até em dia de Cosme e Damião, pegá-las na boca do lobo, nos formigueiros.

Havia várias técnicas para pegar tanajuras, as mais amadoras e tabacudas eram feitas pelos pirraias menores que não podiam ir para os morros porque suas mães não deixavam e pelas meninas. Consistia em: pegar algum pedaço de pano, geralmente uma camisa mesmo, e ficar golpeando o ar com a malha para derrubar as tanajuras. Olhávamos com desdém e certo ar de superioridade, pois éramos os Indianas Jones das formigas.

Nós íamos para os morros com o nosso kit: haste fina e comprida de madeira, garrafas pet de refrigerante vazia, sacolas plásticas, fósforo, e pedaços de jornal velho. Chegávamos nos formigueiros após derrubar umas mangas à pedradas porque ninguém queria subir nos pés por estarem escorregadios por conta das chuvas. Nem nos de manga nem nos de azeitona roxa.

Nos formigueiros, metíamos a haste de madeira lá dentro junto com o braço que entrava até o ombro, evidentemente, recoberto com sacos plásticos porque a mordida da tanajura dá cada mutuca na pele que meu, velho! [perdoem o cronista se vocês criaram uma imagem sexual da cena, não foi minha intenção, paciência].

Quando as danadas insistiam em não cair na da gente que revolvendo o formigueiro com a haste e trazendo-a até à superfície com algumas delas agarradas na madeira e, em seguida, sendo colocadas dentro da garrafa pet, nós na malícia acendíamos uns pedaços de jornal e soprávamos a fumaça dentro do formigueiro. As tanajuras saíam todas doidas e aí a gente caía em cima delas.

Hoje eu acho que as tanajuras saíam polvorosas não por conta da fumaça, mas sim da toxina produzida pela combustão daquelas notícias, rarará, sacanagem...

Descíamos dos morros com as garrafas pet abarrotadas de tanajuras mutiladas, pois antes de jogá-las dentro das garrafas nós cortávamos suas asinhas e suas cabeças, ou seja, só ia o filé para panela.

Geralmente fritávamos as tanajuras na casa de minha avô que, para todos efeitos, era parente de praticamente todo mundo da pá. Minha avô é madrinha de todo mundo, incrível. Além disso, curte uma tanajura na farinha que só ela mesma! – uma cristã nova com forte marca indígena.


Separávamos a frigideira, o óleo, umas tirinhas de cebola e pronto. O cheiro da fritada tomava toda a rua, o bairro, o Recife e toda a minha memória neste momento, de lá até cá, no duro. Enquanto a pirralhada lá fora entoava: “cai, cai tanajura tua bunda tem gordura! Cai, cai, tanajura tua mãe tá no Ibura!”.

Um comentário:

  1. Interessante!
    Eu desconhecia de levar jornal velho e fósforo para acender na toca das formigas e fazer fumaça para elas saírem.

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