Uma crônica perdida - e outra achada

13.2.14 Unknown 0 Comentarios


No final do ano, na já tradicional reunião etílica do FoiHoje, que se reúne durante todo o período de 365 dias e próximo ao aniversário natalino também, é claro, oras, A. chega mais perto e me pergunta:

- Lesse o texto, bicho?

E eu, com a mais pura inocência:

- Que texto? Tás viajando, é?

A., então, se pôs a refrescar minha memória. Um texto, pô, aquele texto, assim e assado, que eu te entreguei naquele dia, etc. Desconversei e saí pela tangente. A serena embriaguez, somada ao barulho do ambiente, impedia que eu me concentrasse em algo naquele momento. Mandei A. encher o saco de outro, virei para o lado, e fui baforar um cigarro de filtro branco.

Lá pelas tantas da noite este assunto retorna, sem maiores explicações. Subitamente começo a lembrar da história, como se ela me tivesse sendo narrada ao pé do ouvido, em conta-gotas. Um mês, ou mais, antes, numa aula, A. me chamava atenção, queria que eu lesse um texto seu, fazia questão que fosse naquele momento.

Eu desconversava e tentava dedicar minha atenção à aula. Ele me enfia um papel na mão e ordena: - Lê! Não li. Ao cabo da aula, ele me convida a um canto e diz que vai me confiar o papel até que eu leia o texto que ele estava desenvolvendo.

Acontece que com mil e um afazeres - e também com mil e um papéis jogados e perdidos dentro da bolsa - eu esqueci, candidamente, de ler o texto. Não lembrei, de jeito nenhum, desta tarefa. E ao fim do período letivo, foram-se embora, junto com as obrigações, todos os papéis da bolsa, não excetuando o de A.

No entanto, A., agora, nesta rememorativa reunião de fim de ano, me cobrava no só a leitura do texto, como o texto em si - o estado físico, o objeto, o papel! Aquela era a única matriz da história, ela foi confiada a mim, e eu a perdi. Essa informação doeu em mim; fiquei desconcertado, ensaiei um pedido de desculpas, mas não tinha jeito: a vergonha se abateu sobre mim como uma tempestade toma uma cidade.

Aquela poderia ser a crônica de A. que iria para o futuro livro impresso do FoiHoje; poderia ser a história que ele mais se orgulharia, pessoalmente, de ter feito; poderia ser a história que elevasse em num sei quantos o número de visualizações desta humilde página; poderia ser só mais uma e passar despercebida; poderia - ficou no campo das possibilidade por minha culpa.

Eu jamais imaginaria que aquele era o único papel que continha a história, porque, senão... Ah, senão! É nisso que dá a falta de consideração.

A., meu camarada, nunca mais terás aquela que parecia uma belíssima história sobre os hábitos e peripécias de dois mendigos que observas há tempos. Podes fazer outra, sobre o mesmo tema, e tentando recapitular a ideia original, mas aquela, não mais terás.

Em contraposição, temos aqui essa crônica, muito mais pobre nas pretensões e muito menos rica em imaginação, que é minha, mas que - acima de tudo - também é tua.

Abçs,

Joarez



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