Check-up
Fui
ao laboratório fazer um check-up na
situação e não reli Alice no País das Maravilhas,
como fizera Raul em uma canção homônima. Porém, o cenário no laboratório foi
digno de Lewis Carroll.
Explico-me.
Estes
exames em laboratórios são angustiantes, pois chegamos lá em jejum após encarar
o trânsito da cidade e correndo para não perder o horário já que passar das dez
da manhã você perde a “coleta do material” como dizem o pessoal do meio e, o
pior, o seu jejum terá sido em vão.
Após
correr pelo metrô, saltar na Joana Bezerra e encarar à cotoveladas qualquer
ônibus que faça a missão de descer o “uniforme” do Capitão Temudo e, como o
Coelhinho Branco brandindo o seu relógio de bolso, entrar na Agamenon Magalhães
e saltar após a parada do Hospital Português, eu sei que o trajeto é curto, mas
na Agamenon, todos dizem: “estou atrasado!” e saem correndo à procura de suas
tocas.
Cheguei
ao laboratório do terceiro andar do edifício garagem do Hospital Memorial São
José exatamente doze horas e dez minutos após o início do meu jejum.
Logo
de cara, encontrei um sujeito de jaleco branco com um celular à mão, tal qual a
Lagarta com o seu narguilé psicodélico, murmurou alguma coisa parecido com um –
bom dia. Via-se que estava de mau humor, talvez por estar dividindo o elevador
comigo já que o reservado para ele demorou a chegar - a brancura asséptica dos
jalecos sobem à cabeça da maioria dos médicos.
Na
recepção, encontrei logo um recipiente que ao pressioná-lo borrifava álcool em
suas mãos, uma medida profilática que evitaria o contagio de certas substância,
após “derramar cachaça em automóvel”, como aponta, nestas linhas, o onipresente
Raul em uma canção em homenagem ao Pró-Álcool dos longínquos anos 1980, agora
ele também seria vertido em sua mão após o surto do H1N1 – um nome rebuscado
para substituir o “espírito de porco”, gripe suína. Após o sujeito/objeto asséptico
de jaleco branco que desagradavelmente encontrei no elevador, tenho agora que
besuntar minhas mãos com álcool, já estava ficando assustadíssima.
Peguei
uma ficha após a indicação da enfermeira que ria para mim como se fosse o gato
de Cheshire, seu sorriso ora aparecia, ora sumia, como se estivesse descendo ad nauseaum no seu feed de noticiais do
Facebook.
Reparei
que só havia mulheres na sala, exceto por um homem que estava acompanhado de
uma mulher, provavelmente sua companheira. Daí perguntei-me, por que há tanta
ausência de homens nos laboratórios e consultórios médicos? Talvez esteja aí
uma das fontes de sua pouca longevidade. Pode ser uma benção deixar este mundo
mais cedo, mas e as companheiras que ficam e que talvez vivam décadas a mais
debulhando o rosário da saudade?
Chegou
à vez do sujeito acompanhado de uma mulher extrair sangue, ou o higiênico,
“coleta do material”. Um homem grande, com seus mais ou menos 1m90cm, forte e
com um semblante fechado. Quando a enfermeira deu o nó na borracha para sua
veia ficar mais visível e a limpou com algodão embebecido com álcool. Ele ficou
pálido e quando a agulha foi inserida na curva do seu antebraço esquerdo, ele
não aguentou e desmaiou. Nada grave, após a enfermeira por álcool para ele
cheirar (haja álcool neste mundo) ele retornou embalado pela mulher que lhe
dizia: “já passou, já passou”.
Quem
sabe este, “já passou, já passou” não leve a uma finitude mais equiparada onde
o “País das Maravilhas” seja
colonizado a dois – a vida a dois concorda com o fim a dois.
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