Vitória

20.10.13 Unknown 0 Comentarios


Chorosa, toda noite queixava-se do trabalho maçante, na enfermaria do hospital público. Ele ouvia bem, era virtude. Depois beijava, beijava com força, chegava a machucar. Ela gostava, se sentia desejada.

Três meses, seis, um ano, ano e meio. Veio a rotina, e junto a impaciência. Ela reclamava que ele não achava trabalho, queria casar, não era mais moça jovem. Ele a olhava distante, tinha pena, magra e pálida sob a luz melancólica do poste.

Mas o desentendimento só vinha para dar força ao beijo, que ocorria logo depois. Não diziam eu te amo, achavam exagero, o que se declara não se faz. Diziam apenas te quero, te quero também, e mudavam de rua ou de poste, a depender do movimento, da quantidade de pessoas.

Uma noite ela aparece desesperada, estava grávida, dois meses, meu deus, como iam fazer, roupinha, leite, fralda, depois escola, ai meu deus. Despenca no choro, estava desnorteada, salário de miséria, não sustenta um, quanto mais dois.

Ele, depois de profundo silêncio, declara, se esforçando para disfarçar a voz embargada:

- Vai ser menina, e vai se chamar Vitória.

Às perguntas imediatas, resposta não deu. Disse apenas pra ficar tranquila, de fome ninguém ia morrer. Ela já estava mais calma, as angústias foram amenizadas, conseguia até se emocionar pensando na criança.


Talvez fosse isso que buscasse nele: tranquilidade. Dentro de pouco tempo, também afiançava que ia ser menina. E quem há de duvidar? Pressentimento de mãe não falha, menos ainda de pai e mãe juntos.

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