Os sete pecados das capitais [Toxicomania] III
TOXICOMANIA
Uma pasta de plástico presa entre as pernas e
ninguém com a delicadeza para segurá-la aquela altura no coletivo lotado que
levava ao centro a força de trabalho remunerada que vinha do subúrbio, a atual
máscara de Flandres é um contracheque no fim do mês – “seu eu fosse uma mulher
gostosa no instante algum filho da puta pedira para segurar a minha pasta” –
pensava F. ao som de Much Too Much do
The Who que vinha do fone de ouvido do seu celular. Na pasta tinha seus
“papeis”: identidade, CPF, titulo de eleitor, reservista, fotos ¾ e comprovante
de residência – Rua da Amargura S/N – isso mesmo, F. estava a procura de
emprego e a caminho da Agência do Trabalho.
Ao
saltar do ônibus F. se sentiu um pouco aliviado, porém a cidade lhe tragou em
um único gole quente e seco, a fumaça sépia e o CO2 penetrou-lhe as narinas e
foi direito ao pulmão que lhe respondeu em meio à multidão – aquela orgia de
impessoalidade – a necessidade de nicotina, F. estava sem cigarros, só com uma
caixa de fósforos úmida de suor em seus bolsos – sentia-se um Nero sem Roma, sem
emprego, sem dinheiro e arrotando suco gástrico - Baco havia lhe abandonado em
meio ao mormaço da metrópole.
Ao
chegar a Agência do Trabalho para ver se conseguiria alguma coisa, pegou a
ficha 197! E foi acompanhando lentamente a sucessão dos números via painel
eletrônico. O salão de espera estava lotado, todos os lugares preenchidos,
pessoas em pé, mas aliviadas pelo ar-condicionado central, os corpos
descansados como vacas hindus em filas indianas assistindo a um desenho animado
idiota que vinha da televisão high
definition. Neste instante um “Coroa” que estava ao lado de F. levantou-se,
talvez tivesse chegado o seu número, pouco importa, o que chamou a atenção de
F. foi que ao levantar-se o “Coroa” deixou cair a sua carteira de cigarro, F.
discretamente apanhou-a e a pôs sob a camisa, tapeou um tempo e depois foi lá pra
fora dar cabo de seu “despojo” e racionalizando o seu gesto com estas
divagações: o que é a virtude diante do vício? No vício e no amor... O vício
esta para as grandes cidades assim como a missa aos domingos para as pequenas etc. acendeu o cigarro fuuuuuu...uhhhh... a fumaça foi direito ao cerebelo e
cantarolou depois de cuspir no chão: “Your love is hard and fast/ Your love
will always last If it's you I need /I've got to pay the levy Got to pay /Cause
your love's too heavy on me, fuuuuu...uhhhh...
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