O peixe não tem olhos (PARTE 1)

21.4.11 Castanha 0 Comentarios


(Advertência ao leitor: Esse conto está invadindo um blog de crônicas)

Iugo parou em frente à vitrine para olhar os peixes nadando no aquário. Era um aquário enorme, muitas vezes maior que ele mesmo. Ficou ali quase uma hora a olhar o movimento daquelas criaturas escamosas. Peixes de várias formas, cores e tamanhos: amarelos compridos, vermelhos curtos, listrados achatados e todos os tipos do mundo.
Era o mês mais quente do ano e muitas vezes por semana a cidade contava um calor de quarenta e quatro graus. Entre o nascer e o por do sol se arrastavam quase vinte horas de claridade solar e no tempo restante o escuro da noite e o brilho da lua envolviam a cidade. Nesse ambiente sufocante Iugo se perguntava “Como é que a água do aquário não ferve e cozinhava os peixes?”. O dono da loja de animais aproximou-se, e em perfeita posição de alinhamento com nosso amigo, de costas para rua e de frente pra vitrine, levantou a mão e bateu com a ponta do dedo indicador no vidro apontando e dizendo “Está vendo esse peixe branco? É japonês. Ele é cego. Quando era um filhotinho ele e os irmãos brigavam muito entre si, o que é muito comum na espécie deles, então os irmãos comeram os olhos dele no calor da encrenca. Ele cresceu cego...”. Então bateu no ombro de seu ouvinte e ordenou “Venha aqui.”. No interior da loja ele pegou uma pequena peneira com longo cabo, o instrumento servia de rede, catou o peixe apontado, retirou-o de dentro do aquário fazendo-o mergulhar num saco de plástico transparente cheio d’água. Fechou a boca do saco com um nó e entregou nas mãos de nosso personagem, dizendo “Você parece um bom sujeito pra cuidar dele, não sei por que, mas parece...”. “Quanto custa?” perguntou Iugo. “Não custa nada” respondeu o proprietário “ninguém paga por um peixe cego.” e depois de uma pausa: “Esse peixe é muito parecido com as pessoas.”, “por quê?” perguntou o ouvinte, e escutou: “Ele não enxerga nada, mas ele não se preocupa com isso, ele simplesmente continua vivendo. E tanto faz se ele está de um lado ou outro do aquário, ele não tem visão... Nisso, ele é parecido com muitas pessoas, mas, leve em conta que as pessoas não tiveram seus olhos devorados.”.
Findo o comentário Iugo agradeceu tudo com uma só palavra e saiu caminhando. Desceu a avenida principal até que virou à direita numa esquina e três vezes entrou à esquerda nos cruzamentos seguintes. Estava em casa. Passou pela entrada do prédio cumprimentando o porteiro, “Boa tarde Sr Clovis” e ouviu em troca “Boa tarde meu jovem, esse aí é nosso novo inquilino?” perguntou apontando para o peixe; teve como reposta um sorriso afirmativo.

Diário pessoal – Reflexão do dia:
Tenho um peixe, ele é cego, mas não me custou nada. Ganhei! E, além do mais, se muitas pessoas têm olhos mais não tem visão então por que devo me preocupar com os olhos do peixe? O peixe não tem olhos.
Iugo 33 de 13 de Tal ano.
(Continua...)

Castanha 21/04/2011

0 comentários: