Rapsódia marioandradiana e contemporânea

28.7.14 Unknown 0 Comentarios


Você não é literário não, sinhô! Você é um ser humano de carne e osso, e um exemplar muito abusado por sinal, era o que Dona Bel dizia a Antônio, um garotinho de poucos anos de idade, que depois da leitura do Macunaíma de Mário Andrade, cismou que era um ser cujo caráter era não ter caráter, cuja lógica era precisamente a falta de lógica. Ele andava pelas ruas do bairro experimentando algumas peripécias, sumamente inofensivas, e Dona Bel era seu alvo preferido: por ser aposentada, ela tinha um enorme tempo livre, gasto, a maior parte, na frente de uma televisão de 52 polegadas. Diante das negativas e dos protestos de Dona Bel, Antônio se sentia cada vez mais instigado a provar que ele era, de fato, um ser sem nenhuma coerência. Adorava dizer que ia passar e depois não dar as caras; afirmava que gostava de sorvete de côco e, daí uma semana, era acometido por um abuso tremendo do mesmo sorvete; um dia jogava futebol com os amigos, noutro vôlei, no terceiro era avesso a qualquer atividade física, etc. Tanta inconstância atormentava Dona Bel, que advertia: eduquem seus filhos, antes que eles sejam capturados por algum professor das humanidades. A última de Antônio foi mandar uma carta, selada, pelos correios - ele acreditava que enviar uma missiva, escrita à mão, em tempo de internet era uma contradição profunda, um paradoxo gigante e insuperável. Quando a abre carta, no sofá da sala, Dona Bel cai do céu: modelado e colorido à mão com muito esmero, em letras garrafais, estava escrito: "PAGE NOT FOUND". No canto esquerdo inferior, a assinatura: "Toninho". No dia seguinte, quando ele passava a caminho da escola, ela lhe diz, tom de desistência, que adorou o bilhete, que agradecia muito, etc. Antônio apenas acena com o polegar direito apontado para cima, ri maliciosamente, e pensa: - Vim, vi, venci!

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