Causos 9: As pessoas e os bichos

29.8.10 Foi Hoje! 3 Comentarios


Quando Lucida era criança, bem criança, sentia vergonha toda vez que ia a missa. Sua família ia da vila a igreja numa carroça puxada por um bicho; não lembrei de perguntar qual era o bicho. Lucida ingenuamente cobria o rosto com as mãos para escapar dos olhares públicos. Bastava este ato ingênuo, cobrir o rosto, pra acabar com a vergonha de ir para a missa numa carroça que ela achava feia. Não condene Lucida, amigo leitor, todos nós já sentimos vergonha. Mas, se estar numa carroça puxada por um bicho é motivo de vergonha, que vergonha não sentiria o bicho que puxa a carroça se este tivesse vaidades?
Historicamente nós, humanos, nos empenhamos em deixar clara nossa diferença em relação ao resto da natureza. A filosofia e as ciências dizem e afirmam que nós e somente nós produzimos cultura, e o resto da natureza não; a religião cristã diz que só os humanos têm alma; na idade média as pessoas sentiam medo de, por meio de bruxarias, serem aprisionadas em corpos de animais. O que causava pânico, naqueles que temiam os bruxos medievais, era ter como prisão para sua consciência de “pessoa” o corpo de um “bicho”, tendo, portanto, que comer e viver como tal. Ser tratado como “bicho” sempre foi visto como algo ruim pelas pessoas.
No centro do recife as pessoas puxam carroças. São pessoas que vivem de juntar lixo para vender pra reciclagem. Sujas, maltrapilhas, levando sol e chuva, fazendo um trabalho que a maioria das pessoas não quer fazer. Puxando carroças elas dividem as avenidas da metrópole com automóveis luxuosos.
Bom mesmo era quando só os bichos puxavam carroças e quando bastava cobrir o rosto com as mãos pra acabar com a vergonha.

Castanha 25 / 08 / 2010

3 comentários:

  1. POrrra
    me emocionou hem papai
    aewssss

    rico

    ResponderExcluir
  2. Castanha meu véi, muito bom o texto, ao ler ele me veio logo a mente aquele poema de Manuel Bandeira - o bicho - que eu e um amigo meu parafreseamos a um tempo atrás, em suma, ficou massa!!!

    ResponderExcluir
  3. Manuel BandeirA

    Vi ontem um bicho
    Na imundice do pátio
    Catando comida entre os detritos.

    Quando achava alguma coisa;
    Não examinava nem cheirava:
    Engolia com voracidade.

    O bicho não era um cão,
    Não era um gato,
    Não era um rato.

    O bicho, meu Deus, era um homem.

    ResponderExcluir