Em busca do verdadeiro Chile

27.12.16 Unknown 1 Comentarios


Tenho descoberto paulatinamente, e com isso cresce gradativamente o desconsolo que assola o meu peito, que o verdadeiro Chile não é uma coisa assim tão fácil de localizar: não é um elemento corriqueiro no qual se esbarra em qualquer esquina. Notícia desanimadora para turistas, ainda mais para aqueles que vêm em busca de aventuras, mas que precisa ser dada: comprar passagens e reservar hospedagem, junto com uma mala devidamente munida de um par de casacos, não é garantia de que se vai encontrar o Chile. Pela capital Santiago, no máximo um arremede de Chile, um Chile obtuso, estranhamente paródia de si mesmo. Dias atrás, na rua de bares de Santiago, conversava com um chileno e depositei uma confissão sincera de visitante brasileiro: no Brasil se come melhor do que no Chile, em termos de variedade e abundância gastronômica. Meu ouvinte não se agradou com o que ouviu, recuou um pouco, apontou para o meio da rua e disse: — mais isso, isso aqui, não é o Chile! O Chile é outra coisa, muito maior do que você pode alcançar. E continuou:  se eu for a São Paulo, sentar num bar, comer e falar, estarei conhecendo o Brasil? Não. O Brasil é maior que isso. Considerei a linha de argumentação um tanto quanto frágil, por isso trepliquei:  Mas você, por exemplo, que é chileno e mora há quatro anos em Montevidéu (sim, meu ouvinte estava nessas condições: chileno, mas residente no Uruguai), veio passar as festas de fim de ano em Santiago para matar a saudade dos familiares e das pessoas próximas, e marcou para beber com um amigo de longa data aonde? Pois é, bem aqui onde estou. Então, como isso nao é o Chile? Eis, então, que ele enunciou o que se tornaria o tormento deste cronista:  sim, é o Chile, mas não o verdadeiro Chile. O verdadeiro Chile é o Chile das pessoas normais, que estão longe da movimentação turística. Aceitei a afirmação categórica e me recolhi. No dia seguinte  não sem antes me certificar de que estaria distante de parques, museus, bares, restaurantes ou qualquer outra coisa que pudesse atrair essa praga chamada turista — fui a um pequeno mercado longe do centro de Santiago. Tinha a expectativa de, ali sim, longe da cidade lustrada para visitantes, encontrar nem que fosse uma nesga de originalidade chilena. Sento, peço um terremoto (bebida genuinamente local) e começo a observar. Como a cara de extranjero brasileño é inconfundível, logo uma pessoa se aproxima. Iniciamos uma conversa, e lá pelas tantas, quando senti abertura, perguntei se onde estávamos era o verdadeiro Chile, o Chile original. Quê? Não, ali não. O chile autêntico não está em Santiago e nem nos seus arredores. Só com, no mínimo, 150 km de distância de Santiago é que se pode começar a enxerga um pouco desse Chile primevo, pulsante. Com essa informação recebi, na verdade, um alento. Como vou passar o fim de ano numa praia que fica a aproxidamente 110 km de Santiago, pensei ser possível encontrar um pedacinho do verdadeiro Chile ali por uma zona fronteiriça, de contacto entre os dois universos. Ao chegar em casa, relato ao amigo do bar, que a essa altura já havia me encontrado em duas ou três redes sociais, a conversa do mercado. E finalizei:  quem sabe eu não possa lá encontrar o verdadeiro Chile, com comida muy rica e pessoas autênticas? Para o meu desapontamento, ele foi taxativo: amigo, sinto lhe informar, mas o verdadeiro Chile, o Chile de que te falei, está muito mais distante: só pode ser encontrado com uma distância mínima de 500km de Santiago: a partir de Concepción, ao sul, por exemplo. Lamentável. Para um turista de fim de ano, 500km não cabe nem no tempo e nem orçamento. O objetivo ia ficando acada vez mais distante. Até agora não tinha encontrado o verdadeiro Chile, mas a busca me rendeu algumas informações: o verdadeiro Chile não está, jamais, em Santiago; não está numa rua de bares; não está onde os turistas podem chegar; e se, ao sul e ao norte, deve-se ter uma distânca mínima de 500 km de Santiago para ser surpreendido com a magia do Chile original, metade do Chile não é realmente Chile. Diante das circunstâncias, me resignei e desisti. Vou ficar com o Chile bastardo mesmo, é o que me cabe  pensei. No entanto, a vida sempre se encarrega de dar umas voltas e, assim, permite algumas oportunidades que, se buscadas voluntariamente, dificilmente aconteceriam. Dois dias depois, estou num feirinha de artesanato, comprando bugigangas para presentear a família, quando recebo uma informação interessantíssima do vendedor: ele só iria a aceitar a minha pechincha porque, sendo de fora, deveria partir de Santiago no dia posterior. Queria vender o máximo que pudesse. E se não for incomodo perguntar, de onde você é? De Concepción. Nossa! Uma chance rara, não poderia desperdiçá-la. Depois das tratativas e dos pagamentos pela mercadoria, não resisti e perguntei: amigo, por acaso em Concepción poderia eu encontrar um Chile mais autêntico e verdadeiro, esse que não é acessível aos olhos enviesados dos turistas? Um Chile original, quase puro, diria eu. Poderia ou não? Para minha decepção, o meu interleocutor apenas disse: — amigo, não sei ni mierda de Chile autêntico. Não sei do que você está falando. Fui tomado por um misto de tristeza e alívio. Mas, pelo que se depreende das palavras do comerciante, parece que projetaram um Chile verdadeiro para muito distante e esqueceram de avisar os seus habitantes. Vou continuar minha caçada por essa figurinha rara e, encontrando algo, lhes trago aqui. Abraços!

Um comentário:

  1. Perfeito texto! Esse Chile que procuras acredito q só existe dentro d cada chileno. Mesmo assim, continue sua busca 😉

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