Eu escolhi reificar

22.12.16 Cabotino 0 Comentarios


Imagina uma compositora-cineasta chegando à casa dos trinta, em pleno processo criativo. Ela é branca, inteligente, hétero, esbelta, rica, mora na zona sul... enfim, possui todos os capitais - econômico e simbólico - à sua disposição. Essa artista decide produzir uma música-clipe que pretende radicalizar a linguagem de sua matéria-prima, e advinha o que ela escolhe: intercambiar imagens de nu frontal com uma música insossa repleta de oxítonas tarimbadas.

Eis o padrão artístico da tal compositora-cineasta: compor uma canção-clipe nos moldes de sua biografia – linear, modorrenta, tonal, segura, enquadrada e com algumas miçangas ideológicas, evidentemente, pré-fabricadas.

O furor causado pelo clipe-música “Eu escolhi você” só poderia ganhar volume numa sociedade como a brasileira em que, imagens de nu frontal tornaram-se sinônimos de crítica à ordem de coisas instituídas. O debate cultural brasileiro tornou-se, nestes dias, uma nota-de-rodapé de genitálias desentumecidas. Lamentável. 


Não tem como não bocejar ao ver e ouvir “Eu escolhi você”. A quantidade de nus burocráticos saltam aos olhos: genitálias sem nenhuma excitação e sem nenhuma heterogeneidade no tocante às cores. E o curioso é que o aparelho vibrador, parábola derradeiramente clichê que nos remete ao título da canção, é a única coisa que pulsa, que tem vida em todo clipe-canção.

Mas ao cabo, o clipe-canção consegue atingir seu objetivo: reificar as genitálias e animar “consolos”. Critica-se a reificação que o outro nos empreende, nos relacionamentos, apelando para a própria reificação do outro como saída final. E assim fecha-se o circuito binário da objetificação do outro. 

E esse circuito é caro à cena "indie" brasileira pois a alteridade - um dos pilares centrais da canção produzida no Brasil - abre espaço para um hedonismo acachapante. E o hedonismo é a mais pura tradução da reificação de tudo. 
 

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