Comentários a respeito de Ulisses
Faz seis meses e dezenove dias que Ulisses abandonou o
ventre de sua mãe, Sandra Luíza, que eu carinhosamente chamo de Lú, para se
aventurar aqui fora. Acredito que veio a contragosto, pois alguém em sã
consciência não abandonaria o conforto das entranhas maternas para viver nesse
mundo de dinheiros e cifrões, onde as pessoas são destratadas. Se ele tem uma
cabeça boa, uma consciência sóbria para usar nas decisões, isso saberei com o
tempo; essas coisas a gente não sabe assim, tão no começo. Por hora, Ulisses
anda bem da saúde, apesar de recentemente estar gripado. Está firme e forte,
sorridente, atento ao que lhe cerca e com bom apetite. Quando a mãe de Ulisses,
Lú, o carregava no útero, eu não fazia ideia de como ele seria e tampouco me
empenhei em imaginar. Esperei que ele nascesse para ver seu rosto e lhe
conhecer. Fiz isso pra evitar qualquer idealização de meu filho. Queria viver
com o que ele era de fato e não com o que eu poderia querer que ele fosse.
Agora, olhando para ele, bonito, saudável e forte ao meu lado, ou nos meus
braços, tento repetir a negação de “como será”; assim como fiz ao longo da
gestação dele, o futuro deve permanecer em aberto. Pode ser que ele faça as
coisas que fiz, de forma muito parecida ou diversa. Ou pode ser que ele queira
fazer o oposto: queira ficar sóbrio ao em vez de se entorpecer, queira
acreditar em deus ao em vez de ser ateu, talvez seja insensível ao sofrimento
dos outros; talvez, mas espero que não... Bem, de todo jeito, seja lá quem
esteja lendo essa crônica, onde e quando estiver lendo, saiba que agora, pelo
menos agora, estou empenhado em pensar que Ulisses, desde o começo, terá uma
boa margem de liberdade. Uma margem e tanto. Espero não mudar de ideia, espero
de verdade! E você, Ulisses, se estiver lendo essa crônica agora, anos depois
dela ter sido escrita, saiba que o título dela não e à toa. Ele é baseado numa
canção chamada “Comentários a respeito de John”, cantada por um sujeito chamado
Belchior. Assim como a personagem dessa canção não quer ninguém em seu caminho
lhe indicando o que fazer, desejo que seu espírito seja igualmente livre. E que
seu coração bata onde nasce o sol, assim você terá certeza de que no horizonte
há algo que buscar. Na caminhada em direção ao horizonte, você entenderá que o
fato dele ser inalcançável não torna inúteis os passos que o buscam, pois é
justamente aí, no percurso, que descobrimos o sentido das coisas.
Castanha 10 de junho de 2016
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