“Tem gente mexendo no placar”

3.3.16 Cabotino 0 Comentarios


por Renato K. Silva - Doutorando em Ciências Sociais pela UFRN

Comecei a frequentar estádios de futebol em 1998, tinha 12 anos, e era levado por meu padrasto que, tenho certeza, queria fazer-me rubro negro. E conseguiu.

Minha tenra lembrança do futebol espetacularizado – o que é veiculado na tevê e no rádio pois o futebol de rua eu já conhecia e praticava-o –, foi com a Copa do Mundo de 1994, nos EUA, eu tinha 8 anos e lembro-me nitidamente do gol de Bebeto contra os ianques, em pleno 4 de julho, nas oitavas de finais da referida Copa. À época eu não fazia ideia do feito da seleção brasileira naquele jogo, mas comemorei com minha mãe o gol de Bebeto e guardo na lembrança o beijo de amor e carinho que o número 7 deu em Romário – assistente do gol – na comemoração, dizendo: “Eu te amo”.

Dos 8 aos 12 anos você quer formar uma identidade e para uma criança brasileira crescida nos anos 1990 o futebol era a instância central de produção de identidades não apenas clubística, como também de heterosociabilidade. Quem não se lembra da música do Skank: É uma partida de futebol cujo refrão diz: “Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?”. O clipe da música foi gravado em pleno Mineirão com Samuel Rosa vestido com a camisa do Cruzeiro em meio à torcida. Esse era o clima dos anos 1990.

Entre os 8 e os 12 anos eu buscava uma identidade clubística. Meus tios – por parte de minha e os quais eu tenho uma estreita relação afetiva – torcem para o Santa Cruz e eu achava bonito o escudo do time tricolor. Mas o Sport era o time do meu padrasto e a partir da segunda metade dos anos 1990 começou a ganhar tudo. Coincidiu de minha ida a campo, para ver os jogos do Leão, as sucessivas vitórias e os subsequentes títulos. Para termos uma ideia, em 15 anos - de 1996 a 2010 - o Sport faturou dois penta-campeonatos.  

Talvez o impulso decisivo para eu começar a torcer para Sport foi o tri-campeonato Pernambucano de 1996, 1997, 1998. Até pouco tempo eu tinha o pôster do time campeão de 1996 afixado na parede do meu quarto: Albérico, Ildo, Chico Monte Alegre, Dedé, Rogério, Wallace, Leomar, Chiquinho, Dário, João Paulo e Luís Muller. Técnico: Hélio dos Anjos.

Em 1997 eu tinha 11 anos e começava a nutrir um carinho pelo Sport. Gostava do futebol vistoso de Wallace e da técnica intricada de Jackson e, claro, dos gols de Leonardo – o terceiro maior artilheiro da história do Sport com 136 gols. Este que tinha voltado ao time depois de três anos jogando em outros clubes.

No ano seguinte, 1998, o Governo do Estado institui o Todos Com a Nota e os estádios começaram a transbordar de público. Lembro-me de um jogo, no dia 15 de mar. 1998, há 18 anos: Sport 2 x 0 Náutico, no Arruda, cujo público oficial foi de 80.203 mil torcedores, mas acredito que tinha mais, bem mais. E eu estava lá sendo espremido nas gerais e extasiado com o futebol que o Sport apresentou naquele ano.

O campeonato de 1998 tinha três turnos, o Sport ganhou o três jogando o fino da bola. Não deu para ninguém, tri-campeão invicto. No último jogo, na Ilha do Retiro, o Sport enfrentou o Porto. A equipe de Caruaru foi a segunda colocada naquele campeonato. O placar do jogo: Sport 2 x 0 Porto. Dois gols de Irani, o primeiro cobrando falta e o segundo pegando de primeira o passe na entrada da área dado por Leonardo. Público: 56.875 mil torcedores, o maior da história da Ilha do Retiro. 

Neste dia do jogo contra o Porto, eu ia primeiro me perdendo do meu padrasto, depois, quase era esmagado pela turba de torcedores que não paravam de chegar à Ilha. Por questão de segurança, os Bombeiros junto com a PM abriram as grandes que dão acesso à área dos torcedores visitantes. Assistimos o jogo na área destinada à torcida do Porto. Detalhe: hoje o público máximo na Ilha do Retiro é de 35 mil torcedores, no dia, havia mais de 21 mil torcedores em cima da capacidade máxima de hoje. A estrutura física do estádio permanece a mesma. De onde estávamos - lado do placar - podíamos ver defronte o espetáculo da Torcida Jovem entoando Maracatu Atômico: "O bico do Beija-Flor..."

De 1998 pra cá passaram-se quase vinte anos. Com o tempo foi-se também o futebol “irresponsável” dentro e fora das quatro linhas, os públicos faraônicos e gente, muita gente. Dentre estas: o locutor Adilson Couto cujo bordão dá título a esta crônica e, no último dia 1 do março corrente, o ex-atacante rubro-negro Leonardo. Toda vez que lembro do estribilho: “Teeem gente mexxxendo no placar!” lembro-me dos gols de Leonardo. Dos gritos, das cervejas, do som do gavião da Rádio Jornal anunciando o tempo do jogo e o placar, das resenhas na escola...


Leonardo talvez foi o último atacante rubro-negro do período do futebol moleque, maloqueiro, brincalhão, irreverente, que não se levava tão a sério. Teve a falta de sorte de jogar numa época de alguns gênios da grande área do futebol brasileiro: Romário, Ronaldo, Edmundo, Túlio, Luisão, Evair... do contrário, teria alçado voos maiores na carreira. Some-se a isso o fato de que naquele tempo o futebol nordestino não tinha praticamente visibilidade. André, ano passado com a camisa do Sport, pela Série A, fez treze gols e ganhou uma repercussão internacional. Se fosse nos finais dos anos 1990, certamente não teria esta vitrine toda.

Dias depois da morte de Leonardo pude perceber como a geração dele foi fundamental para formar e formatar um tipo de torcedores rubro-negros: os que estão na casa dos 30 e cresceram vendo o time ser campeão e, talvez por isso, seja uma torcida exigente, chata e cheia de bico. Leonardo e seus coetâneos formaram torcedores acostumados a vencer, a sorrir, a ter a leveza do futebol brincalhão, a resenha e a paixão incondicional plasmada no lema: Pelo Sport, Tudo! Leonardo era o cara que mexia no placar. Obrigado, Leo Gol!


            

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