Notas de verão sobre impressões de primavera [Santiago] III

15.11.13 Foi Hoje! 0 Comentarios



Gastronomia

A Ignácio por nos ensinar um outro tipo de cordialidade.

Beber e comer no Chile são duas experiências ímpares para nós habituados a boa mesa, refiro-me primeiramente a opulência da gastronomia brasileira no sentido das diversidades de especiarias, leguminosas, grãos etc. não tanto na acepção da qualidade do sabor da cozinha chilena, se bem que esta deixou a desejar para alguns de nós. Há de se ressaltar as limitações geográficas do Chile no que tange as diversidades alimentícias que encontramos em nosso país. De qualquer forma, como falei na seção anterior, comer e beber bem no Chile são artigos que requer dispêndio, coisa rara para um visitante incauto.

Para todos os efeitos, a impressão sobre a cozinha chilena (vou me ater mais a de Santiago) é a de algo célere, a vida em Santiago é acelerada e por isso há na cidade inúmeras redes de fast foods, barraquinhas de comidas rápidas a base de muita fritura espalhadas nas ruas (destaque para a sopaipilla), além do onipresente pollo con papas fritas – ¼ de frango acompanhado com batata frita.

Vou começar pelo pollo con papas fritas, comi-os em várias partes da cidade e percebi em todos que eles são servidos austeramente (exceção feita ao que comi no Cerro San Cristóbal), ou seja, não há os típicos condimentos que encontramos em nosso frango quando preparado. O pollo chileno é sóbrio, desprovido de especiarias, exceto pelo sal. A batata frita é banhada no óleo, é grudenta e tem um aspecto graxoso. Talvez seja uma estratégia não deliberada para suportar o frio, quanto mais colesterol no organismo, mais nos aquecemos dele. Apesar disso, o chileno no geral não é gordo, eles mantem a magreza, acredito, a partir do regramento alimentício e também pelo desequilíbrio na balança calórica, por exemplo: Santiago é uma cidade que consome muito sorvete, mesmo no frio, mas o sundae deles é menos doce do que o nosso, percebi isso até no sorvete do McDonald’s.

Antes de falar sobre outras características da mesa chilena, vou falar sobre a água. Primeiramente, o chileno é acostumado a tomar água da torneira algo que para nós nordestinos após o surto do cólera no início dos 1990 ficou inviável, para quem tem condições, tomar água sem ser envasada. No caso chileno, a água envasada (que chamamos também de mineral) é muito cara, lembro que comprei uma garrafinha de 600 ml no Cerro Santa Luzia por 800 pesos, ou seja, algo em torno de R$ 4. Além disso, a água mineral tem um sabor muito forte, inclusive a vendida pela Coca-Cola.

Em relação à sobriedade da cozinha chilena, destaque para o hot-dog que é muito parecido com os que vemos nos filmes americanos e também nos comercias de ketchup. Um impávido pão sedinha com uma anêmica salsichinha dentro à base de ketchup, mostarda e maionese a gosto do cliente que capricha nestes condimentos, caso contrário, fica difícil engoli-lo. Porém, o hambúrguer é gigantesco, recheado de carne e legumes muito apreciado em todos os lugares.

É lugar-comum falar do vinho chileno, é bom e barato. Mas, a bebida alcoólica que vi mais ser consumida foi o pisco com Coca-Cola que diferente do vinho, congrega mais as pessoas, primeiro por ser mais barata e depois por ter um teor etílico mais elevado. Porém, a bebida que mais apreciei foi o Terromoto (feito basicamente de pipeño, vinho branco, creme de abacaxi, ananás, e estocadas de Fernet, grenadine e bitters) consumida em La Piojera – El palacio popular. Sobre este espaço, falou-me uma amiga que conheci em Santiago que ele era um ponto de apoio para os comerciantes que vinham do interior negociar na capital. Lá eles comiam, bebiam e dormiam. Sem dúvida, La Piojera é a topografia que berra contra os acordes afinados do capital neoliberal chileno. O lugar é sujo, cheios de bêbados, gente de toda a cor (encontrei mais negros neste lugar do que em toda Santiago enquanto estive nela). O Terromoto de La Pijera é literal, dois deles (cada um tem 500ml) lhe derruba. Além disso, há música típica em todo lugar e pessoas dançando, cantando e se equilibrando entre as pernas por conta do Terremoto. Lembro-me que saí de lá acompanhado de um casal de amigos, todos nós rindo e cantando rumo à estação Puente Cal y Canto.

Em Santiago os nossos “irmãos siameses”, arroz e feijão, foram separados. É difícil encontrar feijão na cidade, eu em particular, não consegui encontrá-lo. Além disso, as refeições prontas (o nosso PF) vendidas em Santiago vêm envelopadas em papel contato e em uma bandejinha, minúscula, de plástico pronto para ir ao microondas. Arroz branco com ervilha e milho verde (lembra um Cup Noodles), uns legumes e a carne bovina, frango ou porco. A carne suína (cerdo) é bastante apreciada no Chile e ela é servida, em sua maioria, na forma guisada.

Uma coisa que chamou a minha atenção nos restaurantes que frequentei no país é a entrada dos pratos, eles sempre são servidos, em toda a parte, por um pebre (tipo uma vinagrete com pimenta, tomate, cebola, salsinha) acompanhado de uns pãezinhos com um pouco de manteiga separada, uma entrada elegante, singela e saborosíssima que encantou este conviva acostumado a não ter cerimonia inicial ao comer.

O único dia em que comi à tripa solta (regaladamente) sem ser na casa de Ignácio em minha última noite em Santiago, foi em Valparaíso quando tive a felicidade de pedir um prato de marisco em um animado restaurante próximo a Plaza Sotomayor. O prato foi suntuoso, extremamente forte e opulento. Lembro-me que suava a cântaros, tomei umas cervejas para acompanhá-lo e ao som de música local, foi uma refeição inesquecível. Alguns dos convivas (amigos e demais) que estavam comigo no restaurante pediram um filé de merluza e qual não foi minha surpresa quando o prato chegou, uma merluza inteira acompanhada de batata frita (foram as mais secas que vi no Chile assim como a merluza). Talvez Valparaíso por ser uma cidade portuária e deter uma enorme quantidade de mão de obra braçal, além de ser uma cidade historicamente de lutas políticas que infelizmente viu a conspiração nascer em seu seio em 1973, possua uma mesa que transborda, que rompe brevemente aquilo que caracterizei de austeridade e que ultrapassa os limites da subjetividade para adentrar na prosa da vida chilena.

As duas cervejas mais consumidas por mim em Santiago foram a Cristal e a Escudo, ambas em formato de um litro. Bebi-as em grande parte no bairro da Bela Vista e no de Providence e também em Viña del Mar. Algo a ser destacado no consumo da cerveja na cidade é que ela é servida quase a temperatura ambiente, estranhei de início, mas as temperaturas à noite chegando a 2° Celsius... Outra coisa é que as cervejas não precisam de abridor, as tampas são rosqueadas. Beber ao ar livre, prática comum a um boêmio dos trópicos, é algo difícil na primavera chilena, o frio inviabiliza qualquer estadia na calçada para apreciar a paisagem das muy guapas chicas chilenas e das belas calles da cidade. Há quem tenha condições de pagar por uma mesa com calefação, quem não tem precisa do Outro para se aquecer no interior de alguma taverna, os “lisos” no frio se solidarizam. 
           
_____________________
por Renato K. Silva - Pós-graduando em Ciências Sociais pela UFRN
            

0 comentários: