O delírio

17.9.12 Castanha 1 Comentarios



O nome do sujeito era Alexsandro (digo que era porque ele já morreu), mas, depois de um tempo começou a ser chamado de Vila-Rica. Bom sujeito. Tomei muita cachaça com ele. Era meio agoniado, falava rápido e era um tanto exagerado: Bebia muito, discutia muito, fumava muito, ria muito e tantos outros muitos. Nasceu no dia de Tiradentes, um dos muitos 21 de abril que já existiram, mas não era revolucionário, apesar de ser militante do PT, tampouco arrancava dentes, nem dele nem dos outros, e também não era rico, como dizem que Tiradentes era; (irônico: Vila Rica é o nome de uma cidade de Minas Gerais – Estado onde Tiradentes rebelou-se - e é também o nome de um bairro da cidade de Jaboatão e foi por frequentar muito esse bairro que Alexsandro passou a ser chamado de Vila-Rica e Vila-Rica nasceu no dia de Tiradentes e morreu quase que no mesmo dia, só que vinte e poucos anos depois de nascer, e só agora, escrevendo essa crônica, eu percebi isso... mas, deixa pra lá). Estou escrevendo porque dias atrás aconteceu uma coisa muito estranha e que é tão verdadeira quanto as crônicas de um escritor que gosta de inventar histórias. Era sábado 21 de abril, estávamos num bar conversando muito sobre muitas coisas e nos lembramos de Vila-Rica (da cidade não, – tampouco do bairro - do nosso amigo) e em seguida lembramos que se ele estivesse vivo estaria comemorando aniversário (como eu tinha dito, Vila-Rica morreu: Não foi de fome - apesar do médico dizer que foi de anemia – e não foi de pobreza – apesar dele morar num casebre – foi de desgosto). Contamos histórias dele, rimos bastante e fomos embora. Na madrugada acordei ressacado com dor de cabeça e sede, levantei pra mijar e tomar água; quem eu encontrei na sala, sentado no sofá? Meu Amigo, Vila-Rica! Fiquei pasmo, mas ele me acalmou:
 - Deixa de frescura Helton, terror dos mortos é coisa de Hollywood. Além do mais eu tenho pouco tempo. Tem alguma coisa aí pra beber?
- Água? - perguntei.
- Água não, Helton! Tu acha que eu vim tomar água?!
Peguei uma garrafa de vinho que estava na geladeira - meia garrafa -, um bom vinho, que era também um vinho barato, (digo que era porque não existe mais, foi tomado). Enchi dois pequenos copos, entreguei um a ele e começamos:
- Como vai meu amigo? – perguntei.
- Vai indo, nada de novo com a morte.
E eu meio estúpido e meio atônito:
- Tem feito o que ultimamente?
- Muito pouco, a morte é assim e assim...
- Tem muita coisa lá? Muita coisa que não tem aqui?
- “Lá”? Não é “Lá”. A morte não é o “Lá” nem o “Aqui” a morte não é “Lugar” ela é o “Não-lugar”. Não existir é muito mais sossegado que a agonia de viver; isso aqui, estar vivo, é não saber nunca o que vai acontecer no segundo seguinte, se angustiar e mesmo assim ter medo de perde a vida.   
Alguns segundos de silêncio até que perguntei:
- Dá pra falar mais desse “Não-lugar”?
-Não dá não, tenho que ir. Obrigado pelo vinho e pela conversa. Só lamento você não ter me dado os parabéns pelo meu aniversário, que foi quase hoje.
Sorriu, colocou o copo sobre a mesa da sala, girou a chave da fechadura da porta, abriu-a e foi embora caminhando com passos leves.
Fiquei pensando: Esse Vila-Rica é uma figura. Que delírio esse dele: “Não-lugar”! Onde é que já se viu uma coisa dessas, isso não existe...




Castanha 25/04/2012        

Um comentário:

  1. Castanha, só há um "Não-lugar" neste mundo de meu Deus, que após criá-lo chamou Noé e fez uma formatação naquele.
    Este "Não-lugar" está aqui: [...]"dias atrás aconteceu uma coisa muito estranha e que é tão verdadeira quanto as crônicas de um escritor que gosta de inventar histórias".

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