O delírio
O nome do
sujeito era Alexsandro (digo que era porque ele já morreu), mas, depois de um
tempo começou a ser chamado de Vila-Rica. Bom sujeito. Tomei muita cachaça com ele.
Era meio agoniado, falava rápido e era um tanto exagerado: Bebia muito,
discutia muito, fumava muito, ria muito e tantos outros muitos. Nasceu no dia
de Tiradentes, um dos muitos 21 de abril que já existiram, mas não era
revolucionário, apesar de ser militante do PT, tampouco arrancava dentes, nem
dele nem dos outros, e também não era rico, como dizem que Tiradentes era;
(irônico: Vila Rica é o nome de uma cidade de Minas Gerais – Estado onde
Tiradentes rebelou-se - e é também o nome de um bairro da cidade de Jaboatão e
foi por frequentar muito esse bairro que Alexsandro passou a ser chamado de
Vila-Rica e Vila-Rica nasceu no dia de Tiradentes e morreu quase que no mesmo
dia, só que vinte e poucos anos depois de nascer, e só agora, escrevendo essa
crônica, eu percebi isso... mas, deixa pra lá). Estou escrevendo porque dias
atrás aconteceu uma coisa muito estranha e que é tão verdadeira quanto as
crônicas de um escritor que gosta de inventar histórias. Era sábado 21 de abril,
estávamos num bar conversando muito sobre muitas coisas e nos lembramos de
Vila-Rica (da cidade não, – tampouco do bairro - do nosso amigo) e em seguida
lembramos que se ele estivesse vivo estaria comemorando aniversário (como eu
tinha dito, Vila-Rica morreu: Não foi de fome - apesar do médico dizer que foi de
anemia – e não foi de pobreza – apesar dele morar num casebre – foi de
desgosto). Contamos histórias dele, rimos bastante e fomos embora. Na madrugada
acordei ressacado com dor de cabeça e sede, levantei pra mijar e tomar água;
quem eu encontrei na sala, sentado no sofá? Meu Amigo, Vila-Rica! Fiquei pasmo,
mas ele me acalmou:
- Deixa de frescura Helton, terror dos mortos
é coisa de Hollywood. Além do mais eu tenho pouco tempo. Tem alguma coisa aí
pra beber?
- Água? -
perguntei.
- Água não,
Helton! Tu acha que eu vim tomar água?!
Peguei uma
garrafa de vinho que estava na geladeira - meia garrafa -, um bom vinho, que
era também um vinho barato, (digo que era porque não existe mais, foi tomado).
Enchi dois pequenos copos, entreguei um a ele e começamos:
- Como vai meu
amigo? – perguntei.
- Vai indo, nada
de novo com a morte.
E eu meio
estúpido e meio atônito:
- Tem feito o
que ultimamente?
- Muito pouco, a
morte é assim e assim...
- Tem muita
coisa lá? Muita coisa que não tem aqui?
- “Lá”? Não é
“Lá”. A morte não é o “Lá” nem o “Aqui” a morte não é “Lugar” ela é o
“Não-lugar”. Não existir é muito mais sossegado que a agonia de viver; isso
aqui, estar vivo, é não saber nunca o que vai acontecer no segundo seguinte, se
angustiar e mesmo assim ter medo de perde a vida.
Alguns segundos
de silêncio até que perguntei:
- Dá pra falar
mais desse “Não-lugar”?
-Não dá não,
tenho que ir. Obrigado pelo vinho e pela conversa. Só lamento você não ter me
dado os parabéns pelo meu aniversário, que foi quase hoje.
Sorriu, colocou
o copo sobre a mesa da sala, girou a chave da fechadura da porta, abriu-a e foi
embora caminhando com passos leves.
Fiquei pensando:
Esse Vila-Rica é uma figura. Que delírio esse dele: “Não-lugar”! Onde é que já
se viu uma coisa dessas, isso não existe...
Castanha
25/04/2012
Castanha, só há um "Não-lugar" neste mundo de meu Deus, que após criá-lo chamou Noé e fez uma formatação naquele.
ResponderExcluirEste "Não-lugar" está aqui: [...]"dias atrás aconteceu uma coisa muito estranha e que é tão verdadeira quanto as crônicas de um escritor que gosta de inventar histórias".