Crônica da cidade de Montevidéu
Um motorista estacionou em lugar proibido na Rua Mercedes.
Os guardas de trânsito apareceram e o multaram. O homem tentou argumentar, mas
os guardas foram inflexíveis. Dia e noite as pessoas caminhavam tranquilas furando
o frio que envolvia tudo. Comerciantes e clientes ofereciam e se interessavam,
girando em torno de coisas de vender e de comprar. Pessoas fumam maconha em
público, sem medo de represálias, contrariando a fracassada política de guerra
às drogas que atormenta e devasta nossa querida América Latina desde a década
de 1980. Detalhes e mais detalhes apresentavam-nos Montevidéu. Nossos sentidos
buscavam a cidade como uma criança tentando montar um quebra-cabeça sem fim;
cidades são fluxos.
Caminhamos pelas ruas de Montevidéu, eu e Lu. Ruas dos
séculos 20 e 19, montadas sobre as ruínas do século 18. Uma arquitetura
imponente. Talvez aquela arquitetura represente a identidade dos Uruguaios. Talvez
ela sirva para deixar claro que apesar de pequenos eles são grandes, e não se
deixam esmagar por seus vizinhos gigantes sul-americanos, Brasil e Argentina. Uma
viagem de uma semana pela capital de um país não dá plena autoridade para falar
das minúcias deste e das almas de seus habitantes. Mas a impressão que as
mulheres e homens dali deixaram em nós foi de terem um espírito firme.
Por lá, anda-se sossegado pelas ruas, senta-se
tranquilamente em um lugar qualquer para comer, conversar ou descansar. Vai-se
de um lugar a outro tateando suas calçadas, praças e prédios. Esse movimento
cria uma via de mão dupla: pessoas e locais vão se apresentando.
Ficamos pequenos e
envolvidos, frente ao monumento a Artigas, ou ao palácio legislativo, frente ao
palácio Salvo, ou ao teatro Solís, e também do topo do Mirador da Intendência,
de onde muito se vê. Tudo suturado por pedras, paredes, telhados, palavras,
histórias, fotografias, museus.
Após a caminhada de cada dia, íamos num bar de esquina com
a 18 de Julio para pensar, conversar, sorrir e embriagar. Tentamos o possível
para nos diluir naquele caldo de gente e movimentos. Montevidéu fazia o mesmo
por nós, e se diluía porta adentro de nossas percepções.
Castanha 29 de agosto de 2017.
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