Carta a João do Rio
Caro, João do Rio, ou devo dizer, Paulo Barreto; preciso
urgentemente encontrar o tal Antenor, personagem de seu conto "O Homem de
Cabeça de Papelão". Tomei conhecimento de seu texto ali pelos idos de
2003, no início de minha graduação, para ser mais exato. Desde então,
martela-me a cabeça a ideia ter uma de papelão. Como no conto, tal qual
Antenor, procurei entender se havia algo de errado com a minha, indo atrás dos
mais diversos profissionais e outros nem tão profissionais assim, para tentar,
pelo menos aliviá-la de um peso tremendo. Sinto que poderia compará-la a uma
bucha, dessas que se lava louça, que, quanto mais encharcada, mais pesada fica.
Pois bem, digamos que minha cabeça encharcou em seu limite, estando, como se
diz no termo técnico da agricultura de irrigação, "saturada".
Tornou-se um fardo pesado demais pra ser carregado por mim e não conto com
ninguém para me ajudar nessa tarefa. Todos hoje aqui são muito atarefados com
suas liberdades individuais e "coletivo" tornou-se sinônimo apenas de
trem e ônibus lotados. Vivo numa sociedade que não premia a cooperação e sim o
individualismo. Ao ponto de dirimir direitos básicos conquistados com anos de
luta sem que nada em contrapartida seja feito, ou que qualquer cidadã(a) se
abale, por um milímetro que seja, diante de tantos impropérios cometidos à luz
do dia, nas nossas fuças e com nosso aval, pior de tudo. Não vou aqui listar o
que chamei de "impropérios", posto que, o espaço aqui da carta seria
deveras diminuto para caber tão longa e interminável lista. Posso colocar-lhe a
par de tudo através de uma ferramenta chamada e-mail, ou por outra conhecida
como rede social. Mas para tanto, o senhor irá precisar de um computador (hoje
um utilitário doméstico sem o qual não se vive, uma máquina fascinante) com acesso
à internet, a rede mundial de computadores. Com ela foi possível ampliar o
espectro e a rapidez com que se comunica hoje em dia, caro João.
Enfim, se puderes ter um computador aí contigo e acesso à rede, te colocarei mais a par da nossa situação aqui em 2015, em breve.
Enfim, se puderes ter um computador aí contigo e acesso à rede, te colocarei mais a par da nossa situação aqui em 2015, em breve.
Imagem da adaptação animada do conto "O Homem de Cabeça de Papelão". |
Mas, por ora, gostaria de reforçar o
motivo inicial de estar lhe escrevendo esta carta, para não perder o meu foco.
No momento, como lhe disse, minha cabeça saturou e preciso urgentemente falar
com Antenor, para pegar com ele o endereço daquela relojoaria onde conseguiu a
cabeça de papelão, para colocá-la no lugar da minha. Não pretendo passar a vida
inteira com a de papelão, apenas um pequeno período, até que a saturação da
minha cabeça real diminua. O senhor me dirá que Antenor também tinha em mente
ficar com a de papelão apenas pelo tempo do relojoeiro "acertar os
ponteiros" da cabeça dele e que deu no que deu. Tentará me alertar como
resposta ao meu pedido. Adianto-me a este seu movimento e ponho-me em
defensiva, "roqueando", como no xadrez. Não será o meu caso.
Realmente só poderia passar um período. Não há o menor risco de ficar com a
cabeça de papelão em definitivo no lugar da antiga. Apesar de não estar, no
momento, conseguindo conviver em harmonia e em paz com a minha cabeça real,
tenho para mim, aqui com meus botões, que tenho verdadeiro tesão por ela. Não
mencionei antes aqui, mas, me permita a intimidade do comentário, sou um tanto
quanto tarado, sabe?! Alguns especialistas no assunto hoje em dia chamariam-me
"compulsivo sexual". Pois bem, para que o senhor entenda que não se
trata de ilusões de virtude, de uma consciência elevada ou qualquer coisa do
tipo, como tinha a antiga cabeça de Antenor, minha certeza de que passaria
apenas um período com a cabeça de papelão vem daí, de precisar compulsivamente
do conteúdo lascivo contido em minha cabeça real. Porém, meu caro João,
conhecendo o conto e sabendo quem Atenor se tornou ao seu cabo, lhe peço
encarecidamente um favor: que minha cabeça fique aos seus cuidados, enquanto eu
uso a de papelão, para que eu fique tranquilo que, quando for buscá-la, ela
esteja sã e salva e Antenor não tenha passado por lá na relojoaria, antes de
mim, e ficado com ela também.
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