DOMINGO, DIA ÚTIL, DIA FÚTIL...

19.11.10 Foi Hoje! 2 Comentarios


Por: Renato Ribalta
Estava sentado no respaldo de um dos bancos de granizo da Praça Santa Luzia, que aquela altura da noite já se encontrava vazia, era por volta das 20 horas e as casas que circunscrevem o logradouro público irradiavam através de suas janelas os raios catódicos dos aparelhos de tiravisão... Ou melhor... Televisão, as pessoas em seus sofás e poltronas da sala de estar, como naquela canção, tinham nessa caixa a sua padroeira, enquanto o nosso solitário personagem que dividia com um vira latas o espaço da Praça, preferia os olhares enternecedores da Santa Luzia, a padroeira dos cegos.
Esperando uma amiga que pelas circunstancias da vida só a vê nos fins de semana, uma amizade boemia, sem sal de frutas nem tampouco tira-gostos. Já se encontrava impaciente devido ao atraso, porém esse é comum com ela, ela costuma dizer que o seu relógio (ela ainda usa isso) é atrasado em relação ao do celular dele, e ambos não fazem nada para emparelhar a hora da cerveja ou do vinho, ele diz que Godot é mais pontual do que ela, e é.
O cigarro que acendeu para esperá-la, como quem acende uma vela para um santo padroeiro já se encontrava no fim, a bunda lhe doía em virtude da espera e da posição incomoda no banco de granizo, mas, antes as nádegas do que os cotovelos que levam a marca cinza da dor de esperar os que vão comprar cigarro.
Quando o expresso Hollywood já ia desembocar no Pacífico, uma mulher aparentando uns trinta e poucos anos (uma década após a da canção) morena e de cabelos encaracolados curto, fez que iria passar direto em uma das esquinas da Praça, e vendo-o, decidiu dar meia volta do seu percurso e foi ao encontro do nosso insular tabagista.
Chegando nele, o mesmo que se encontrava ouvindo um som tirou o fone quando esta chegou, ela lhe perguntou de chofre:
- Tudo bem?
E ele respondeu lacônico:
- Tudo!
Como quem não quer mais conversa. A desconhecida aparentemente embriagada insistiu:
- O que tais ouvindo?
Ele dessa vez mais polido, talvez justamente por perceber o estado da sua interlocutora, pois sabe que o amor assim como a gasolina, é volátil, consome-se rápido e para mantermos o carro funcionando trocamos pelo álcool, lhe respondeu:
- Kafka, uma banda dos anos 80 e a música se chama: Plenitude.
Ao ouvir a resposta ela resolve arrumar as duas mechas de cabelo que lhe caiam sobre os olhos e as colocou por trás das orelhas como alças de óculos, e lhe faz um convite:
- Vamos tomar uma cerveja no bar de Domingos?
Ele responde que não iria dar, pois, está esperando uma “estória”, e lhe passou pela cabeça paralelamente a sua resposta, a paráfrase de um adágio popular: mais vale uma boemia na mão do que um bar sobrevoando.
Ela levemente contrariada, lhe pediu um cigarro ao qual o “boêmio” solitário acendeu e lhe deu falando:
- Olha aí, ainda vai com o gosto da minha boca.
Ela saiu e deixou essas palavras:
- Plenitude é tudo que é bom, nunca pense em coisas ruins.
E saiu soltando fumaça como uma locomotiva de passos dissonantes tal qual uma promessa de felicidade.
Ao repor o fone aos ouvidos como quem também põe as alças de um óculos, o trecho de Plenitude que ainda estava tocando era: “mesmo sendo assim/ tão fácil perceber/ a plenitude acena e se desfaz só de dizer/ vai ser bom de saber/ que não me domina o medo de te perder”.
Cansado de esperar, ele põe um drops na boca como um tira-gosto, acende mais um intervalo pelo filtro e vai embora a procura de um bar.

2 comentários:

  1. poxa logo na praça de sanla luzia bicho!!!!
    massa véio muito boa

    rico

    ResponderExcluir
  2. A praça Santa Luzia faz parte da minha infância... Que estória bonita, em um cenário bucólico. Se garante Ribalta.

    ResponderExcluir