A primeira crônica
Olá camarada, já faz alguns dias que não
conversamos; ou a algumas contagens de 24 horas. Existem mil formas de contar e
perceber o tempo. Em nosso ultimo encontro decidimos escrever crônicas. Pensei
no que você me falou “quando estiver sentindo escreva”. Pois bem, escrevo.
Arrumei meu quarto, quase por ultimo
revirei umas fotos velhas. Tive vontade de rasgá-las. Rasguei. Senti-me bem e mal
por isso. Estava rasgando algo que servia para me lembrar de bons momentos.
As fotos que rasguei congelavam rostos e
situações de forma que eu considero esteticamente ruim (não gostaria
de escrever aqui: feias ou ridículas). As pessoas fotografadas não
eram fotogênicas, isso fazia as memórias palpáveis parecerem ruins apesar de em
minha cabeça saber que eram memórias boas. Rasguei por não mostrarem o que eu
queria ver; confesso, sou mais fútil do que me deixo mostrar. Por isso me senti
mal, por apagar memórias palpáveis de momentos tão divertidos. E por quê? Pura
futilidade.
Por outro lado senti-me bem, porque estas
fotos traziam, também, lembranças de momentos que senti confusos. Não o
momento em si, mas, o todo: as semanas, dias e horas que envolveram o instante
fotografado.
O que são as lembranças, camarada? Talvez
eu esteja errado, mas acho que as lembranças ajudam-nos entre outras coisas a
contar o tempo. Exemplo? Consultar as memórias de tudo que vivemos e nos
tornamos desde o primário até a mesa do bar, nos da uma idéia de como o tempo
passou. Desta forma camarada, o tempo não está só nos relógios, mas,
principalmente, nas lembranças e na sensibilidade com que as consultamos. As
memórias servem de elo entre o que fomos e como nos transformamos e sermos agora.
Eis outro motivo que me levou a rasgá-las e joga-las no lixo: as “fotos /
memórias” serviam de portal entre o “hoje” e um “recorte passado” da minha
vida que eu não quero ver repetir. Quero continuar quebrando as portas
que me levam para o passado que não me agradou, mesmo sabendo que esta porta vai
volta à tona num ou noutro momento.
Gostaria de dizer que este desabafo me
tornou menos fútil, mas isto não aconteceu. E se eu lhe disser que me sinto
totalmente ruim por não melhorar, estarei mentindo. Também não me tornei
menos antipático em relação às memórias palpáveis que não gosto e em relação as
“portas” que levam para o passado.
Parou! Não vou mais explorar minhas
lembranças, pois elas podem me fazer pensar demais em mim, no que eu era e no
que eu sou, e eu não sei se quero me conhecer tanto. Tentar conhecer-se perfeitamente
pode gerar um sentimento pretensioso e falso de que sabemos tudo sobre nós.
Prefiro deixar a vida saciar aos poucos minha curiosidade de conhecer a alma,
até porque não há como conhecê-la totalmente, esta só cessa de se transformar
quando cessamos de respirar. No final acho que gosto das incertezas. Mas já está
bom! Não digo mais nada, nem que sim nem que não. Não que fique o dito pelo não
dito, e sim porque eu simplesmente não quero dizer.
Abraço camarada.
Castanha 04 / 09
/ 2007
Ainda guardo no braço as fotos que rasguei, também acho que me torno menos fútil, recriando lembranças, e contruindo novas emoções.
ResponderExcluirFelixberto Carvalho.
tempo rei, transformai as velhas formas do viver
ResponderExcluir