Pequena alegoria Cosmo/Lógica.
No princípio era o Verbo... E Deus vendo-o sorumbático, resmungando e mal dizendo pelos quatro
cantos do Paraíso a sua triste condição de estar em plena ebulição acional, ou
seja, cheio de ação dentro de si e não tendo nada para dizer ou fazer ali, resolveu,
enquanto o Verbo dormia tirar de dentro dele dois elementos, o Sujeito e o Objeto.
E do alto de sua sabedoria ordenou que o primeiro fosse sobredeterminante e o
segundo sobredeterminado ao Verbo.
Ao acordar, o Verbo ficou maravilhado com as
suas duas novas companhias, mas seu alumbramento foi temporário. O Sujeito
mandava demais e o Objeto era passível não só ao Sujeito, mas principalmente, a
Ele, às vezes transitivamente e outras vezes intransitivamente.
Os três ficaram pairando à toa no Paraíso
criando suas frases, locuções, orações e outras brincadeiras ociosas naquela
vida idílica cheia de nada para fazer. Até que o Verbo, atiçado pelas ordens do
Sujeito e assentido pelo desdém do Objeto decidiu, a contrapelo de Deus, ir
comer do fruto da Árvore da Presunção e, de lá, retirou o verbo Ser e comeu-o.
Deus vendo aquele ato de desrespeito a sua ordem, sentenciou:
- “A partir de agora vocês não mais viverão aqui no Paraíso. O Sujeito
irá sobreviver da arrogância do suor de sua cabeça arbitrária. O Verbo sentirá
dor nos empregos de sua ação e o Objeto viverá rastejando seu ventre pelo chão
onde jazem os complementos do Sujeito e do Verbo e, comerá passivamente das ações
do Verbo. Enviá-los-ei para um lugar que futuramente irá se chamar – Grécia.
Lá vocês encontrarão a minha Antítese, o Diabo, não o confundam com
outra criatura que por lá também viverá, a Mulher. Estes dois vocês não irão
dar muita atenção, quero que vocês atormentem uma outra criatura, o Homem. Com
este, vocês terão muito trabalho, ele é ardiloso e inventivo.
Ele prenderá vocês em uma jaula hermeticamente fechada, a Gramática
Normativa. Criará um milhão de características para vocês, vai colocá-los em
uma roupa, a Morfologia, lhes darão também uma 'floresta' onde irão
misturar-se, a Sintaxe.
Ele também irá criar para vocês duas grandes famílias distintas e
conflitivas, na Grécia vocês viverão bem com uma delas, a Poesia (minha filha).
Mas, futuramente em outro lugar, que será chamado: Ocidente, irão se dar mal
com a outra, a Prosa (filha de minha Antítese). Neste lugar, quem reinará será
o fruto que o Verbo comeu e a razão da expulsão de vocês do Paraíso. Ele irá
destronar o pai fagócito e seus outros dois irmãos, o Sujeito e o Objeto. No
Ocidente, quem mandará na cabeça de todos no geral, e na dos Homens, em
particular, será o verbo Ser.
Ele sobredeterminará a vida de todos os Homens criando para eles com o
auxílio da filha de minha Antítese, a Prosa, duas armas potentes e arrogantes –
Filosofia, com sua Estética, Ética e a Lógica para legislar sobre os domínios do Belo,
do Bom e do Verdadeiro, respectivamente. A outra será a – Ciência Positiva
onde a ideia de Progresso mandará na vida dos Homens, nos seus anseios e amores,
esta será a sua religião no futuro e, seu dogma, a razão.
Transformará seu Pai e seus Tios em meros suportes dos seus caprichos;
utilizará a seu bel prazer o emprego das ações do seu Pai e, por conseguinte,
transformará o Sujeito (seu Tio mais velho) em um simulacro; fará dos complementos
do Objeto suportes para suas empreitadas e pior, futuramente irá transformá-los
em simples pronomes; questionará o estatuto da Realidade externa que é maior e
mais poderosa do que Ele, considerando-a mero epifenômeno. Por fim, Ele chegará ao cúmulo de questionar e por em xeque a minha
existência criando a categoria que irá se chamar, 'Teodiceia', para me deslegitimar ou criar seitas éticas pouco ortodoxos para me cultuar.
O verbo Ser também instituirá a Prosa (signo do Diabo) em sua linguagem
oficial deixando, com isso, a minha querida Poesia entregue as mãos de poucos
abnegados que levarão inscritos em sua frontes o símbolo da rejeição em meio a
um mundo que cospe em suas caras por insistirem em empregar ritmos em suas
construções literárias. Por isso vos digo também: sejam generosos com os
Poetas, pois com eles vocês voltarão ao Paraíso.
Após estas breves recomendações, lhes digo para encerar: vão e diga ao
verbo Ser que da árvore em que ele foi retirado os frutos apodrecem antes mesmo
de cair”.
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